É tão bom ser má…

Gabi
6 min readNov 14, 2019

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Se você está no mundo corporativo, ser a boazinha não faz de você uma pessoa competente. Aliás, para as mulheres, ser a boazinha está sempre ligado a ser a pessoa que é passada para trás. É como na imagem idealizada para a campanha de Carolina Herrera…

A loira, linda e poderosa, quebradora de expectativas e conquistadora de todo o mundo. Ela é a representante do padrão de beleza, alta, magra, de cabelo liso e nariz arrebitado. Ela não tem problemas de pele. Ela é rica e saí por aí pisando na poça com seu salto fino.

Antes eu achava que essa imagem era um problema só porque me fazia comprar coisas que eu não precisava, que poderia piorar a compulsão alimentar, ou os outros transtornos, como bulimia e anorexia. Mas agora estou vendo que esse perfil vai além.

Ser boazinha faz mal para o bolso

É esperado que as mulheres sejam “naturalmente” mais amigáveis e afetuosas, como parte do combo, instinto materno. Mas isso é uma cilada, Bino!

Estudos mostram que as mulheres que agem de forma amigável e acolhedora no local de trabalho são frequentemente vistas como menos competentes, independentemente de suas habilidades reais. “Para as mulheres que se adaptam de certa forma à expectativa de que as mulheres sejam amigáveis ​​e afetuosas, a conseqüência para elas é que suas habilidades podem ser negligenciadas”, observa Marianne Cooper, socióloga do Laboratório de Inovação em Liderança Feminina da VMware na Universidade de Stanford e líder pesquisador do best-seller de Sheryl Sandberg, Lean In .

Por outro lado, as mulheres que são notadas por seu alto desempenho e habilidades técnicas são frequentemente vistas com suspeita e ressentimento. É aquela coisa. Um homem seria persistente, a mulher é teimosa. Um homem teria personalidade, a mulher é xiliquenta. E com isso suas oportunidades de avançar para as funções de liderança diminuem, já que são considerados incompletos.

Nós, mulheres, enfrentamos um dilema enlouquecedor: é melhor parecer boazinha, querida e ser subestimada, ou parecer inteligente e não gostarem muito da nossa pessoa?

Aconteceu comigo

Ainda no colégio, escutei que ninguém gosta muito de mulheres que parecem muito inteligentes. Depois, no trabalho, escutei que competência não faz tanta diferença na carreira de uma mulher quanto um bom decote. Bem, eu não tenho 60 anos para gente poder fazer que isso aconteceu há muitas décadas, minhas experiências são até bem recentes.

Por um lado eu me senti isolada do resto do mundo, sempre fui cobrada por bons resultados, boas notas e era boa em exatas, melhor até que os meninos. Por outro, vi as meninas menos capacitadas conseguirem melhores empregos mesmo que não trabalhassem muito bem.

Já deu pra perceber que eu não sou muito do grupo da mulher boazinha, mas isso não me liberou de problemas. A cultura geralmente retrata as mulheres poderosas como frias e calculistas. Não é preciso chegar perto de ser poderosa, a leve menção a um pensamento próprio já parece que diz contra o seu perfil — pessoa difícil!

Mas por que a tendência de tratar o calor como um sinal de fraqueza é um problema sério? As mulheres legais dificilmente chegam à liderança por um problema cultural, elas deixam de ser as protagonistas, as pessoas que despertam interesse. A consequência é ainda mais grave: ps ambientes de trabalho estão cada vez menos agradáveis, morais e até mesmo, humanos.

Não é possível ter tudo?

A equação entre ser competente e legal é especialmente cruel com as mulheres, mas é ruim para todas as minorias. Asiáticos são “muito eficientes, mas frios”, uma pessoa do interior é sempre vista como alguém mais gentil como essa gente da cidade grande, mas também, menos preparada, e por aí vai. A classificação é altamente excludente e parece só reforça os privilégios de quem já está no topo.

Um líder homem branco hétero que se mostre mais gentil e amigável dificilmente vá encontrar algum impacto negativo com essa escolha. Provavelmente ele será considerado uma pessoa inovadora, generosa, disruptiva.

As limitações são maiores para quem se afasta do que é considerado ser-humano padrão. Quanto mais nicho, quando mais distante do perfil homem branco heterossexual classe média alta, mais restritas são as condições que uma pessoa encontra. Se é mulher, é mais cobrada. Se é homossexual, é mais destratada. Se é negra, é mais vigiada. Sem contar religião, tamanho da calça jeans, cor do cabelo, idade. A lista é longa.

Síndrome do impostor, um velho conhecido

Já está catalogado o comportamento das mulheres acharem que não são boas o suficiente — seja no trabalho, na vida pessoal, na cozinha ou no curso de idiomas. Isso porque a ambição feminina é uma coisa feia, então tem que ser bem disfarçada e acaba sendo tão disfarçada que a própria mulher se esquece dela.

Para atender às expectativas, as mulheres têm que fazer o trabalho e serem cordiais, solícitas, gentis ao extremo. Um homem pode falar que está ocupado demais para ajudar e tudo bem, a mulher que fala isso “se acha”. Da mulher é esperado que sejam feitas tarefas como preparar o café, arrumar o ambiente e coisa do tipo — mesmo que ela não tenho afinidade com a atividade em questão.

Essa expectativa também coloca a mulher em uma posição de subserviência. A mulher continua desempenhando um papel submisso e isso se estende a outros recortes sociais de cor e classe social. Antes de contestar com o clássico “nem todo…”, pense outra vez.

Com tanto reforço negativo não é de se estranhar que mulheres não acreditem no próprio trabalho. Se nenhuma de suas opções é boa, como comemorar um sucesso? Como acreditar em uma vitória? Na sociedade patriarcal, gentileza, compaixão e bondade — traços tidos como femininos — tendem a ser culturalmente desvalorizados. E são priorizadas as qualidades masculinas, como resistência emocional, resistência física e crueldade, o que produz disfunção organizacional, à medida que os funcionários se tornam hiper competitivos para vencer.

Quem não é competitivo por natureza fica fora do jogo ou se considera fora do jogo, mesmo que tenha feito uma parte fundamental do trabalho. A síndrome do impostor faz com que as mulheres se deixem de lado, não se reconheçam como peças importantes no conjunto.

O que pode ser feito?

Ignorar as competências tidas como femininas é ignorar grande parte da própria sociedade e criar empresas doentes. Se é para falar em números, precisamos lembrar do tamanho do mercado formado pelas mulheres — no Brasil supera 50% da população.

Ter mais mulheres entre as pessoas que lideram e decidem nas empresas é uma questão de sobrevivência e sucesso. Não se trata de eliminar as competências masculinas, e sim de equilibrá-las.

O reconhecimento não deve ir apenas para o que grita mais alto, isso é uma visão antiquada. Quem traz mais resultados precisa ser valorizado, mesmo que os resultados sejam conseguidos por meio da atenção aos detalhes, capacidade de escuta e empatia.

Por outro lado, também é preciso quebrar a ideia de que todas as mulheres seguem um mesmo protocolo. Nem todas serão ultrafemininas, falando baixo, sorridentes. Existem as mulheres mais assertivas, líderes natas, firmes, que não podem ser chamadas de xiliquentas ou sofrerem ataques pessoais por terem uma postura mais persuasiva. Se um comportamento é aceitável para um homem, por que em 2019 ele não poderia ser aceitável para uma mulher?

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Written by Gabi

A gente escreve o que não entende para entender o que não se escreve.

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