Você tem algum problema?

Gabi
5 min readSep 5, 2020

--

Sim, todos temos. Mas não é sobre isso que estou falando.

Eu ia começar escrevendo que não sou uma pessoa fácil, mas isso é mentira. A verdade é que eu não sou uma pessoa que pode ser convencida de alguma coisa facilmente. E isso é porque eu preciso de argumentos lógicos. Eu sou capaz de largar minhas crenças sem o menor constrangimento, se me apresentarem argumentos válidos. Achismo não conta.

Mas as pessoas não querem argumentar, dá trabalho. Querem que eu aceite porque alguém acha que sim. Porque é a opinião fundamentada em crenças da vida dele ou dela. Posso respeitar, porque cada pessoa tem sua opinião, mas concordar? Tem uma longa distância nisso aí.

Foto de Nita no Pexels

Em homens essa minha característica é chamada de personalidade forte, em mulheres, bem eu ia falar que seria teimosia, mas o mais comum é perguntarem se sou burra mesmo.

Pessoa difícil, um problema de distorção

Quando eu era adolescente, aquela fase maravilhosa em que a gente tá construindo nossa persona para a vida adulta, escutei uma frase que me marcou muito:

Ninguém gosta de mulher que tem opinião, você seria melhor se fosse mais boazinha.

Acho que foi assim que me tornei uma pessoa de canto, medrosa. A gente vai perdendo a personalidade, a espontaneidade e a vontade de viver com algumas coisas que escuta. Acontece que as pessoas também não gostam de mulher sem personalidade. Acho que, de um modo geral, as pessoas não gostam de mulheres.

Quando falo que não gostam de mulheres, nem é no sentido sexual. É enquanto uma parte da humanidade que é diferente do homem e que até pouco tempo deveria só servir e agora vem com essas ideias de pensar e ter ideias próprias, reivindicar direitos.

Não é um problema só de homens, não são apenas os homens que acham ruim que mulheres sejam seres pensantes e autônomos, muitas mulheres também acham que isso é um problema sério. Ou foram ensinadas a achar isso. A tal da competitividade, o julgamento sem fim, aquela coisa toda.

Ainda tem aquele discurso sobre ser muito mais confortável ser tratada como uma boneca na caixa, ter tudo decidido para sua vida. Olha, cada um com sua vida, mas vamos pensar que nosso mundo tem um sem fim de desigualdades sociais, que muitos homens abandonam suas namoradas quando elas engravidam, que muita gente não tem a opção e por aí vai. Não existe espaço para utopias.

Um problema de insanidade

Achar meu lugar no mundo sempre foi uma questão. Claro que poderia ser pior, claro que sei dos meus privilégios e tal. Mas a força que tenho que fazer todo dia para achar que existe algum valor na minha presença é gigante. E sei que não estou sozinha com esse sentimento, porque cada maldita vez que escrevo sobre ele, recebo comentários sobre como isso é comum.

Ser silenciada no dia a dia é uma merda. Você segue o protocolo e qual é o retorno: O que você tem na cabeça para propor isso? De onde você tirou isso? Você só pode estar brincando…

Isso em um ambiente profissional, que as pessoas deveriam ser, bem… profissionais. O pior é que quando menos se espera, eu tô lá reproduzindo o padrão, com o único objetivo de marcar meu espaço. Depois rolou uma culpa, óbvio.

Giphy sempre contribuindo

Sim, estamos em uma época de trabalho escasso, pautado pelo medo de ficar sem meios de nos sustentar. Precisamos de muito sangue frio para não surtar, mas quem é mulher não pode esperar afagos na vida pessoal. Você tem que entender, você é mulher, sempre tem que entender.

Anos dessa dinâmica me renderam crises de pânico, ansiedade e um pouco de depressão. A ansiedade é o mais constante e evito deliberadamente coisas que me deixam ansiosa. Isso significa ter que dizer não para algumas coisas e tem quem não entende isso. E eu fico ansiosa com deixar uma pessoa decepcionada comigo. Um ciclo sem fim.

O problema de dizer não

Você consegue falar não com facilidade? Que bom. Eu tenho essa dificuldade. Li o livro da Shonda, "O ano em que disse sim" e fiquei pensando que para aplicar o que ela fala no livro, só se eu fosse aplicar para mim. Dizer sim para o que eu quero e não para o que as outras pessoas querem. Ainda não aprendi.

O livro tem uma mensagem muito legal sobre se livrar de ideias preconcebidas do que você pode ou não fazer. Ou pelo menos isso é uma parte do que entendi dele, mas em uma vida tentando agradar, percebi que não passei tempo demais me expondo a situações desconfortáveis demais para mim e que precisava me poupar um pouco. E isso está sendo muito difícil.

Não importa o quanto solícita você seja, uma negativa sua é o suficiente para te chamarem de egoísta, autocentrada, mimada. Covarde. Quem chamarem? Podem ser outras pessoas, podem ser as vozes na minha cabeça. Sou bem crítica comigo mesma, parece que as pessoas ansiosas têm isso em comum.

A pandemia, um problema sem prazo para terminar

Eu queria ser mais otimista e dizer que no verão a gente já estaria brindando a vida na rua e dançando à nova era com flores nos cabelos, mas ainda que as vacinas estejam em um estágio adiantado de desenvolvimento, a logística toda leva mais que três ou quatro meses para se desenrolar.

Os reflexos vão longe. Uma vez que saia a vacina, não vamos ter certeza sobre seus efeitos no longo prazo — não tem como. O impacto sobre a saúde ainda ficará, pois temos fake news de baciada para todo lado e desvios de verba mesmo nessa época. Também não sabemos o que o vírus pode causar nas pessoas depois de tanto tempo. Reinfecções? Que outros órgãos pode atingir?

E a economia, né? Aqui no Brasil se adotou a postura de que cuidar da saúde da população iria contra os interesses econômicos do país. Não fizemos uma quarentena de verdade e, agora, a retomada da economia está demorando muito mais para acontecer. Mas assim, vai demorar muito mais para uns que para outros. Talvez você pense: "Cada um com seus problemas". Eu não consigo pensar assim.

O que posso falar? Bem, o problema do amiguinho sempre vai afetar a gente. Pode ser por meio de uma bala perdida, por superlotação de hospital, por falta de vaga em creche, por falta de noção na hora das eleições. Quando se é indiferente ao que acontece com a sociedade de um modo geral, estamos sendo indiferentes com nosso próprio futuro.

Foto de Andre Furtado no Pexels

Enfim, não tá fácil melhorar da ansiedade na pandemia. Os problemas históricos se somaram a mais um, que é bem grande. A utopia de que sairíamos (nós, a humanidade) transformados dessa na Era de Aquário, vivendo como cidadãos de Wakanda, estão dando lugar a um descrédito cada vez maior. Parece que não estamos aprendendo nada, e enquanto não aprendermos, os problemas continuarão por aí.

- Ai de mim que sou ansiosa.

--

--

Gabi
Gabi

Written by Gabi

A gente escreve o que não entende para entender o que não se escreve.

No responses yet