Uma sombra de quem eu seria

Mergulhando no lodo da minha existência, tentando resgatar um pouco de mim.

Gabi
3 min readJul 26, 2022

Fazia frio. Talvez fosse o resultado da brisa batendo na camiseta úmida das lágrimas que não paravam de sair por mais que eu falasse pra mim mesma que era besteira chorar.

Você não tem motivos para isso.

Não sei quem é que estava falando isso. Eu mesma? Minha mãe, reforçando o quanto eu tinha nascido em uma família privilegiada e negando minha dor? Meus professores do colégio que não entendiam porque uma menina com notas boas e sempre nas rodas de vôlei, reclamava tanto de dor de cabeça? As pessoas que não gostavam de ser questionadas?

Por muitos anos eu fui viciada em agradar. Tentar me adaptar e caber em um espaço. Ficar quieta, acenar e sorrir. Comi as minhas mágoas com Coca-Cola. Parei de dançar. Passei a ter medo de tanta coisa que nem sei dizer. Até porque um dos medos foi de abrir a boca e ser um desastre.

Ao agradar os outros me agredi da pior forma. Fui me esquecendo de quem eu era. Deixei de saber quem eu sou. O que é prioridade para mim. Do que eu gosto. Pois bem, se eu sou demitida, crise. Se estou triste com a falta de reciprocidade em uma amizade, crise. Se a minha opinião é diferente da dos outros e eu caí na besteira de falar, crise. Só que a crise só pode ser aqui dentro, afinal, o choro não é livre como dizem. Afinal, outras pessoas sempre têm motivos de verdade enquanto eu estou fazendo drama.

Mas o choro um dia vem. Na verdade, a gente nunca sabe o quanto falta para transbordar, de modo que ele vem do nada, a qualquer momento, por qualquer motivo alheio a nossa vontade. Uma palavra, uma cor, uma música, um sabor. O tempo para e o vazio começa a ser preenchido com lágrimas. Um aperto de dentro do estômago reflete no rosto e faz tremer. Mas você não tem motivos para isso. Eles repetem, você não tem motivo pra tanto.

A pergunta “O que você tem?” é respondida com seguidos “Não é nada”, a resposta que você foi ensinada a dar de tanto que sua dor foi invisibilizada. Enquanto não era nada talvez ainda fosse alguma coisa, mas chegou um momento em que a resposta passou a ser “Não sei”, porque é verdade, eu não sei, talvez eu tenha deixado de saber, talvez alguém saiba. Na hora eu nunca entendo o que está acontecendo e na maioria das vezes eu não entendo nem depois que passa. Ou que eu controlo.

Vamos deixar claro que controlar não é passar, é deixar silenciado. Entendendo ou não o que está acontecendo, eu preciso voltar a ser funcional e controlar a situação. Silenciar as lágrimas que caem ruidosas. Demorei para entender isso, que eu apenas silenciava o que sentia, me iludi achando que as coisas estavam resolvidas, enquanto só estavam no mute para que depois voltem mais fortes.

Existe vergonha e existe medo. Eu me sinto fraca por ser essa pessoa que se abala por alguma coisa que a maioria nem entende que deveria estar ali. Eu fico tentando me proteger de ser engolida pelos temores, rancores, dúvidas e certeza, dos pensamentos que eu não deveria ter, porque teoricamente sou melhor que isso. O tipo de elogio que aprisiona. Já reparou que a gente só é melhor que alguma coisa quando isso interessa ao outro? É bem cruel.

Nesse momento estou completamente ausente de mim. Meio dentro, meio fora do corpo, que já nem vejo tanto sentido em controlar. Quem eu seria se me descontrolasse desde o começo? Mais livre? Mais isolada? Acho que ninguém pode responder isso, o ‘se’ não existe aqui.

Já que as lágrimas transbordam, mesmo apesar dos remédios, da respiração, da meditação, talvez seja melhor mesmo eu deixar de tentar controlar, já que em lugar de não sentir nada, prefiro sentir o frio da brisa batendo na roupa úmida enquanto eu procuro por alguma versão de mim perdida ali naquele mar.

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Written by Gabi

A gente escreve o que não entende para entender o que não se escreve.

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