Um padrão de falta

Gabi
7 min readJul 15, 2019

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Quem está fora do padrão sofre. Não adianta falar que isso é relativo, porque não é. Sair do padrão é basicamente ter problemas. Pergunte para quem é seguido por olhares em lojas apenas por ser negro.

Eu poderia ser uma pessoa mais acadêmica e estudar a inclusão do estranho ao longo da história da humanidade, como o diferente se insere ou se destaca, mas não sou essa pessoa. Nem acho que você é a pessoa que está aqui procurando isso. Você está aqui?

Ser o diferente é ter que lidar com uma situação incômoda, não pertencer e isso não é confortável. Faz crescer, ok, mas não é confortável. Faz ter ideias inovadoras? Às vezes, mas causa muito choro. É Patinho Feio, é Dumbo, é Lilo e Stich e eu vou me ater a exemplo infantis porque eu acho mais fácil me apegar à fantasia.

Imagem: Google.com

Voltando, acredito muito que vivemos em uma cultura fortemente influenciada pelo Fordismo, sim, da marca de automóveis. O Sr. Ford criador da marca também criou uma forma de produção bem eficiente, que é baseada em produção em série e, para isso, padronização. Ao mesmo tempo que a padronização permitiu que os produtos chegassem a um maior número de pessoas, ela também reforçou a ideia de que para consumir você só pode escolher entre as opções disponíveis. As coisas deixaram de ser feitas sob medida.

Para algumas coisas isso não é, ou não era, problema. Televisores, carros, celulares? Serve à função e tá bem. Isso em um primeiro momento, é claro. Hoje a padronização de produtos já não é mais uma coisa tão desejada assim, afinal cada pessoa quer personalizar seu carro, sua camiseta, seu celular. De qualquer forma, o Fordismo foi revolucionário por permitir que as coisas ficassem mais baratas e assim chegassem a mais pessoas, a partir da homogenização.

Acontece que depois de décadas de todos tendo coisas iguais, todos começaram a valorizar o ser/parecer iguais. Não que isso tenha nascido com o Fordismo, mas foi validado como única forma de existência enquanto figura pública. Foi naturalizado.

Só que…

Sim, é um pouco mais complexo que isso, porque a moda é um movimento mais antigo e a briga de classes nem se fala. Mas vamos pegar só o recorte de consumo, pensa que os padrões foram estabelecidos para quem poderia comprar a produção, o que até pouco tempo representava majoritariamente homens brancos cristãos. Aí pensa que os donos do meio de produção, quando começou a vender para o resto das pessoas estavam com o objetivo claro do lucro, porque nenhum negociante, industrial ou qualquer pessoa do tipo vem ao mundo à passeio. Não vamos ser mirins aqui.

Vamos pensar que existem necessidades diferentes. Algumas biológicas, restrições de saúde como alergias e outras mais aspiracionais, como vontade de pertencimento. Quais são mais importantes? Vá falar com Maslow.

Algumas pessoas nascem com deficiências, algumas têm problemas metabólicos, outras simplesmente não querem carros pretos. Não é tão difícil perceber que a coisa da padronização às vezes deixa de ser tão legal e passa a ser uma limitação no mínimo entediante.

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O próximo passo é pensar que nosso mundo é cruel. Sim, já foi pior, mas ainda é cruel. Guerras por religiões que pregam o amor. Matança baseada em cor da pele. Alguns lugares já melhoraram, outros continuam assim. Experimentos sociais e biológicos em crianças que nascem com o grande defeito de serem mulheres. Podia ser na antiguidade, mas em alguns lugares desse mundão ainda acham ok.

Bem, uma laranja amarga não está estragada, só tem uma cor diferente, mas no meio de tantas outras, causa estranheza. Vamos ver qual é a dela? Não. Vamos falar que é errada, que está podre, inadequada, que precisa fazer clareamento, usar maquiagem ou apenas viver isolada e sem direitos entre outras laranjas amargas.

Quem não encontra produtos para suas necessidades passa por isso. A roupa não serve, a base não é da cor da sua pele, a propaganda não a reflete? A culpa não é do produto, afinal a lógica é que o produto segue um padrão para chegar ao maior número de pessoas. A culpa é sua que não consegue se encaixar nesse padrão.

A padronização foi muito importante para aumentar o acesso, mas precisa evoluir.

Minoria quem?

Vamos lá, quando se fala nos donos dos meios de produção mandando na porra toda e definindo quem é o padrão, cria-se a coisa das minorias que não são minorias numéricas. Um mundo que precisa ser ressignificado.

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No Brasil temos mais mulheres que homens no total, mas não nos cargos políticos, nem nas lideranças das empresas. Para mesmos cargos e iguais capacidades, os salários são até 38% menores segundo a consultoria Catho.

Aí a gente pode entrar na seara do racismo, e nem me venha como a frase de que isso não existe. A diferença salarial é de R$1.200,00 em média, mas existe a falácia da meritocracia. Tem quem defenda que o problema é a pobreza e não o racismo, sem lembrar de séculos de escravidão. Tem quem tente não ver a discriminação nos olhares tortos aos cabelo enrolado ou à cor da pele. Sério, sem essa pra cima de mim.

Gays. Gente, sério que alguém precisa se importar com quem as pessoas dormem? Ou se elas se identificam mais em ser homem, mulher ou não ser um nem outro, ou ser os dois? Pois é, tem muita gente que acha que precisa e não dá emprego. E tem gente que se aproveita das dificuldades para pagar menos.

Sem contar que as minorias sofrem diferentes tipos de violência, física, moral, psicológica. Uma coisa terrível que se une ao terror histórico que vai sendo aprendido desde a infância. Homens que não sabem o que é atravessar a rua por medo de estupro, héteros que não sabem o que é medo de demonstrar carinho em público etc.

Vamos falar de negócios

As empresas vendem seus produtos, mas são formadas por pessoas. Minorias, no geral, estão em situação desfavorável, então as empresas estão nas mãos da maioria hétero e tal. Mas a minoria também consome e se as minorias não são tão pequenas, não consomem tão pouco, certo? Além disso, dinheiro é dinheiro.

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A economia vai evoluindo e nem todas as pessoas que fazem parte da maioria é idiota sem cérebro ou coração. Mulheres, negros, asiáticos, gays, gordos e idosos com poder de compra querem e precisam de coisas. As coisas nem sempre estão disponíveis para eles e aí estão as oportunidades.

De um lado, pessoas frustradas e se sentindo excluídas. Sim, não conseguir achar uma base no tom da sua pele porque o mercado acha que você não é digna de atenção é uma merda. Não achar uma calça jeans no seu tamanho porque as marcas acham que você está grande demais para se preocupar com moda é uma merda. Não conseguir ir a uma restaurante com os amigos porque sua cadeira de rodas não passa pela porta é uma merda.

De outro lado um monte de coisas que não são vendidas. Oportunidades de negócios perdidas. Por que tentar fazer as pessoas se encaixarem no padrão se você pode ganhar mais dando a elas o que elas querem e precisam? Roupas nos tamanhos certos, maquiagens nas cores de suas peles, carros adaptados, produtos para cabelos étnicos. São tantas as oportunidades que existem por aí!

A desculpa é que para fazer as coisas para as minorias ficaria muito caro. Mas as pessoas vão comprar, nada é favor aqui. Esse argumento não é válido se a gente pensar na quantidade de pessoas que querem produtos que ainda não estão disponíveis enquanto insistem que elas têm que se adequar ao que é produzido em excesso. A lei da oferta e da procura continua valendo, o pensamento precisa se libertar de velhos valores.

Ah, e sustentabilidade

É preciso ter mais inteligência na hora de decidir o que vai ser produzido para que a gente consiga ter mais consumidores felizes e menos lixo por aí. Mais geração de renda e emprego e menos violência. Ou seja, evoluir o modo de pensar a produção para que a vida continue sendo viável.

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Hoje o modo como produzimos, consumimos e descartamos gera um lixo sem fim. Produzir de forma mais eficiente é também produzir sem tantas sobras. Roupas, alimentos e móveis que serão efetivamente comprados. Desejados e mantidos nas vidas das pessoas e não apenas adquiridos por falta de opção e descartados na primeira oportunidade.

Ou seja, se você pensar bem vai perceber que não dá para ser ecológico e racista ao mesmo tempo. Estamos todos em um mesmo mundo e apenas deixar de usar o canudinho de plástico não é realmente o suficiente.

Empresas grandes querem ganhar dinheiro e já perceberam que não fazer nada é ruim para a imagem. Aí que está, queimar a produção que não vende faz mal pras vendas, tratar mal as minorias também — principalmente quando elas se dão conta do poder que têm.

Recentemente a casa de alta costura Chanel contratou uma pessoa para cuidar de diversidade e inclusão. Se uma área fortemente movida à exclusividade já percebeu esta necessidade, talvez seja a hora de todos nós abrirmos nossos olhos.

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Gabi
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A gente escreve o que não entende para entender o que não se escreve.

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