Toda unanimidade é burra.

Gabi
6 min readOct 4, 2020

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Quem pensa com a unanimidade não precisa pensar.

Enquanto a gente cresce e vai estudando história, acredita que a humanidade está em uma espiral para cima. Eu, que sou otimista, sempre busco o lado bom de tudo e ainda tento achar uma saída para essa nossa espécie. Ainda acho que existe saída, mas ela é menos óbvia do que eu imaginava.

Eu já acreditei que a democracia era real.

Agora acredito que a democracia é uma ilusão.

Como eu não tenho nenhuma responsabilidade acadêmica aqui, minhas citações serão de Nelson Rodrigues, um lúcido. (Machista em várias ocasiões? Babaca em muitas oportunidades? Às vezes. Mas escritor genial e muito lúcido no que dizia respeito à política e sociedade)

A maior desgraça da democracia é que ela traz à tona a força numérica dos idiotas, que são a maioria da humanidade.

Ele usa o termo idiota, que é o que penso quando estou no auge da raiva contra o sistema que elege nossos políticos. Afinal, a eleição dá forças para quem quer tirar o pouco direito que temos, essa elite de origem oligarca que mente, por vezes assume que está mentindo, que vai continuar mentindo e que todos sabem que é isso mesmo. Mas idiota é uma generalização rasa que a gente faz na hora da raiva ou um termo bom para se conseguir a atenção das pessoas.

A democracia, como é aplicada hoje, se vale das diferenças sociais, da falta de estudo, da fome, da preguiça de pensar e falar em política, da vontade legítima de melhorar de vida misturada com o oportunismo ensinado desde o nascimento. A democracia reforça as relações de poder travestida de vontade da maioria.

A nossa solidão nasce da convivência humana

Como eleger um político razoável em um país no qual a maioria só quer se dar bem em cima do vizinho? Ou do próximo, ou do irmão, ou do colega. Escolha o nome que o deixe mais confortável. Não é por maldade, não todas as vezes. Tem hora que é por desespero ou por ser a única forma que a pessoa aprendeu a agir, mas isso não resolve o problema nem diminui a culpa quando chega a conta — que está alta.

Na máxima democrática “de eleger um representante do povo”, o resultado é cruel e certeiro: não queremos admitir, mas na média, enquanto povo, somos o que mais odiamos nos políticos.

Claro que não gostamos disso. O país está uma lástima. Já viu quanta gente está desempregada ou sem ter um lugar para morar? Já pensou em quanto poderia ser feito com o dinheiro que é desviado pelos políticos? Mas pensou no geral ou que você nunca mais precisaria parcelar a diferença quando fosse trocar um carro? Ou que enfim não seria mais um mortal em Maresias?

São essas pequenas ideias erradas que carregamos em cada decisão que contribuem para as grandes e espetaculares cagadas que fazemos na hora de escolher governantes.

Os idiotas vão tomar conta do mundo; não pela capacidade, mas pela quantidade. Eles são muitos.

Ficamos solitários porque consideramos que apenas os outros são os idiotas, o povo, a massa. Apenas o coleguinha está errado e faz merda, nós estamos isolados na razão. Não é bem assim.

Os idiotas não vão dominar o mundo em um futuro distópico, ou no presente de realismo fantástico que vivemos, se assumirmos que todos contribuímos para essa construção social, entenderemos que eles sempre dominaram. Carregaram pedras enormes para enterrar faraós com seus tesouros enquanto suas famílias podiam passar fome, mataram as crianças que nasciam mais fracas, crucificaram quem pensava diferente, queimaram mulheres vivas, testaram bombas atômicas duas vezes no Japão pra ter certeza se funcionava.

O ser humano contra a humanidade

Uma vez li alguma coisa sobre gostar de pessoas enquanto indivíduos e não como grupo e é mais ou menos isso. Nas palavras de nosso pensador do dia, Nelson Rodrigues,

Não estarei insinuando nenhuma novidade se afirmar que nunca houve uma multidão inteligente.

Como não sei quando ele escreveu ou falou cada coisa, imagino que ele mesmo pode ter se dado conta que a ideia de que os idiotas ainda iriam tomar conta do mundo, um dia, era meio ingênua. Eles (ou nós) já dominaram tudo.

Pensando com uma caneta na mão, ou na frente de um computador, acessando o mundo das ideias de Platão, somos maravilhosos. Mas nos colocando em prática, que loucura. Só nos restam sombras e projeções mal feitas. O que vai mudando é o grau de hipocrisia.

Trabalho e o universo das agências de publicidade

Falar da situação do país e do mundo já está manjado, então vou entrar em outro assunto que conheço um pouco e que é similar: o sistema de castas nas agências de publicidade. Preciso antes me despedir de Nelson Rodrigues, afinal as frases dele eram machistas demais para o que eu preciso defender.

Voltando ao sistema de castas. Fosse aqui a Índia, provavelmente a gente não ligaria muito para o fato de apenas os hipsters da Vila Madalena ou os empolgadinhos da Vila Olímpia no padrão homem-branco-hetero-topzera chegarem aos melhores cargos e salários. Na verdade quase ninguém liga, mas ultimamente umas mulheres deram para reviver esse negócio de feminismo e como nossa sociedade dá uma ilusão de democracia e oportunidade que nos leva a questionar: por que não eu?

Veja bem, nem sou das mais desprivilegiadas, mas sou mulher e isso tem um peso bem grande. Outras coisas que pesam bastante? Cor, ser LGBTQIA+, ser suburbano, ser pobre, ser PCD… Quanto mais desses itens você acumular, mais difícil se torna a sua vida.

Aí você vem me dizer que conhece fulana que é negra, LGBTQIA+, nasceu pobre e hoje trabalha numa agência foda. Eu também conheço. Acontece que provavelmente ela merece muito mais do que está ganhando. Provavelmente tenha que lidar com comentários maldosos como os que eu leio quase todos os dias. E, provavelmente, ela não aguente mais ser usada como exemplo, porque a situação dela deveria ser comum.

Fulana não deveria ser o exemplo, ela deveria fazer parte de um grande grupo na agência. As mulheres são maioria no país, mas não são nas agências, muito menos nas lideranças. Os negros e pardos são maioria no país, mas a proporção é ainda menor. Com razão, fulana não está feliz.

Quem é seu pai?

Eu confesso que demorei bastante para perceber que os criativões, ganhadores de prêmios e grandes salários normalmente são filhos de alguém. Já reparou? O prodígio sempre tem um sobrenome conhecido e foi estudar ou começou a trabalhar fora do país para sair da sombra do pai (dificilmente é da sombra da mãe, mas também existe).

Têm os que não são tão requisitados assim, mas têm grandes salários e egos. Adoram contar suas histórias (eu tenho muita paciência, já ouvi muitas) de como começaram a trabalhar cedo no mercado “afinal conseguiu um estágio em uma grande agência antes mesmo de entrar no curso de publicidade porque o pai, o tio ou a prima conseguiu pra ele”.

Claro que tem quem é realmente genial e conquista coisa por mérito próprio, mas sério, se for mulher, pobre etc., provavelmente vai acumular receitas de medicamentos tarja preta e nem sempre vai ter o reconhecimento que merece.

Sabe com quem está falando?

Agora uma novidade para meus amigos da publicidade, parece que nas outras profissões as coisas também seguem um ritmo parecido. Tá, talvez não tão cruel, mas o favorecimento a quem tem nome, dinheiro ou “a cara da empresa” é uma coisa cultural.

O que faz das agências um lugar onde é importante mudar isso, é o fato de criarmos as peças que vão falar com o país todo. Quando uma agência tem uma proposta mais inclusiva, suas campanhas podem passar a transparecer isso e quem sabe, talvez, sonhemos, ajudar em uma mudança cultural.

Mas para fazer campanhas inclusivas e com maior diversidade é preciso ter isso dentro das agências.

O mais surreal é que melhor distribuição de renda, salário igualitário para mulheres e negros, respeito aos LGBTQIA+ é muito mais lucrativo para todo mundo. Mas a mesquinharia se apega ao imediato, não é mesmo?

Antes de dar forças para o sistema como está, vamos pensar que ele está longe de ser bom e tentar deixar melhor para todos — até porque isso é melhor para nós mesmas.

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A gente escreve o que não entende para entender o que não se escreve.

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