Tempo de sentir

Gabi
4 min readApr 23, 2020

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Quando eu pensava em 2020 eu pensava em um ano distante, em que muitas coisas seriam diferentes. Mas não conseguiria pensar no que temos hoje.

Mesmo com tantos filmes explorando o tema de uma pandemia global, nunca esperei que isso de fato acontecesse.

Mesmo sabendo que existiam uns malucos que acreditavam em coisas como terra plana e criacionismo, nunca pensei que seria na proporção que tomou.

Mesmo sabendo que muitos se incomodariam com o acesso de uma classe historicamente desfavorecida ao consumo, nunca imaginei que o preconceito alcançaria níveis tão escancarados.

2020 era um ano distante em que eu seria adulta, pagaria minhas contas, teria muita tecnologia rolando e viajaria o mundo.

Chegamos em 2020

Prestes a completar 40 anos, não me sinto tão adulta quanto achei que deveria me sentir. Pago minhas contas e a tecnologia avançou muito de quando eu era criança para cá. Conheci alguns lugares no mundo, mas estou longe de ter conhecido o mundo. Ia completar mais um pedacinho desse quebra-cabeças, mas o ano nos brindou com o novo Coronavírus.

Está tudo parado. Todos em casa. Quer dizer, uma boa parte, porque uma fatia da população mundial se recusa a acreditar na ciência e na necessidade de isolamento social. Temos governantes que são completos idiotas em diferentes países do mundo, inclusive no meu. Colocando o dinheiro acima das pessoas. Para quem ele governa, afinal?

Mas, ouvi certa vez que todo povo tem o governante que merece. Isso porque o povo elege seu representante e quem está lá é um extrato, um resumo geral do que pensa a galera. Enfim, boa parte do povo brasileiro pensa como seu presidente. É triste e cruel, mas infelizmente, parece ser verdade.

Não se ofenda. 51% já é maioria e 49% é muita gente. E às vezes nem é preciso 51% para eleger alguém. Se você não concorda com seu governante você é apenas minoria, mas o geral, o povo em geral, está representado ali.

Isso porque…

Jeitinho brasileiro. Furar fila, pagar o guarda para não tomar multa, comprar sem nota. Tudo isso faz parte do pensamento que elegeu o governante, por mais que doa. Não pode, mas vamos abrir uma exceção pois… se não for porque sua mãe está morrendo, desculpa, provavelmente está sendo por um motivo que não justifica. É tirar vantagem mesmo.

Se você tiver mais que dois neurônios, vai conseguir identificar o que é ou não um caso a se considerar. E claro que eu me incluo nessa. Não existe santo, mas a gente espera que exista humanidade.

O melhor e o pior do Brasil

Quanto mais velhos ficamos, melhor percebemos algumas coisas e uma delas é a humanidade que reside em cada ato. Sempre ouvi que brasileiro é um povo caloroso, que divide, que tá sempre junto. Talvez quando tudo está bem.

Durante a pandemia o que mais tenho percebido é o egoísmo do brasileiro médio. Se minha família estiver bem, foda-se o mundo. Se apenas os velhos morrem, porque eu tenho que ficar em casa? Por que a gente não isola apenas quem tem doenças pré-existentes e mantém a economia funcionando?

Como se fosse simples assim. Como se alguém estivesse disposto a abrir mão de seus pais ou avós. Como se todos os diabéticos ou hipertensos soubessem que têm essas comorbidades. Como se pessoas teoricamente saudáveis também não pudessem morrer como estão morrendo.

Saindo um pouco da sua bolha, o susto é certo.

Proximidade

Assim como só passamos a acreditar na pandemia quando ela chega perto a ponto de deixar doente alguém que conhecemos, também só passamos a acreditar no egoísmo das pessoas quando vemos alguém próximo fazer o que só os “outros” seriam capazes de fazer.

Um dia você pensa que apenas as pessoas muito ruins não se preocupariam com o próximo, seriam capazes de colocar o capitalismo acima da vida humana. Aí você cresce e percebe que esse outro pode ser alguém da sua família, um amigo, alguém que bebeu com você e riu das mesmas coisas.

É como se você também fosse uma dessas pessoas ruins. E talvez seja mesmo.

Sinto muito

Tenho más notícias. Somos uma sociedade doente. Capitalista, consumista, poluidora. Usamos canudos de metal para salvar as tartarugas porque é moda. Poderíamos beber do copo de vidro, sem canudo nenhum. Poderíamos usar transporte público ou bicicletas, melhorar o trânsito e a qualidade do ar. Mas me misturar com aquela gente toda? Em vez de lutar pelo que é melhor para todos, pensamos em lutar pelo que é melhor só para cada um. E não melhora de fato para ninguém.

Cada um tem sua desculpa, seu motivo. Todos muito justos, ou não.

Com ou sem pandemia, basta saber se queremos continuar sendo essa sociedade falida ou se queremos construir um mundo melhor daqui para frente.

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Gabi
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A gente escreve o que não entende para entender o que não se escreve.

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