Simples assim

Do outro lado, um outro problema

Gabi
4 min readAug 18, 2021

Há pouco tempo escrevi sobre como o uso de palavras difíceis e termos técnicos afasta as pessoas. Hoje eu vou escrever sobre os exageros da simplificação. Contraditória? Confusa? Caçadora de cliques?

Nada disso. Assim como eu, você deve saber que meu público é restrito. Poucos amigos e alguns desavisados que caem por aqui. Mas não é por isso que eu vou deixar de escrever. Eu me explico demais, né? Isso faz eu perder a linha de raciocínio às vezes.

Foto de Daria Shevtsova no Pexels

Voltando. Quando escrevi sobre a necessidade de um texto acessível, fácil de compreender não estava pensando em texto simplista, que esconde pontos importantes. Estava pensando em texto compreensível, sem rococós, firulas, espaço para dúvidas. Claro que todo texto dá espaço para interpretações, mas a ideia é ser o mais claro possível.

Promessa de deixar mais inteligente em poucos minutos

Uma amiga que tem uma vida muito atribulada, três filhos pequeno e trabalho para lidar, estava empolgada com a possibilidade de se atualizar com uma newsletter de notícias que chega no e-mail logo cedo, antes da loucura começar, e traz o que aconteceu de mais importante no mundo em uma linguagem bem simples.

Fui ver qual era a da news, afinal informação acessível é parte fundamental do que acredito. Mas aí… logo na primeira edição que li fiquei com certa preguiça da tal promessa de deixar mais inteligente. Pois é, uma news vai te deixar bem informado, mas, mais inteligente, é forçado.

Depois, comecei achar que a linguagem supostamente simples era na verdade simplista. Ou seja, mais confundia que esclarecia. Sabe quando as coisas são escritas usando palavras simples mas dão origem a interpretações esquisitas? Pois é. Mas era a primeira edição que eu via, podia ser cisma.

Mas uma outra coisa não era cisma. Tinha mais de um publieditorial, que vem a ser matéria paga. Esse tipo de conteúdo precisa ser bem sinalizado, para não dar a entender que se trata de uma notícia. Afinal isso é, na verdade, publicidade. No entanto, os publieditoriais dessa news vêm bem disfarçadinhos de matéria e você precisa querer achar problema para achar a sinalização.

O mito da imparcialidade

Antes de outros mitos matarem muitas vidas por esse Brasil, um já havia causado um grande estrago: o da imparcialidade da imprensa. Já devo ter falado sobre isso, é um tema recorrente nos meus pensamentos. Pois bem, todo veículo tem uma linha editorial e se seu professor ou faculdade fala o contrário, sinto muito, mas discordo dele.

Tudo influencia no jeito como recebemos uma informação. Das letras e cores escolhidas para escrever o texto à sequência em que as notícias serão colocadas.

Só que é aquela coisa, esse mito é forte na cabeça de muita gente e não pode ser ignorado. Quem busca uma notícia já em uma versão mais simples, provavelmente acredita que está recebendo uma informação pura, sem viés ideológico. Ou nem quer pensar sobre o assunto. Ou talvez não saiba que isso seja possível.

Inteligente segundo quem?

Antes de decidir se eu achava essa newsletter tendenciosa ou não, decidi que não poderia formar minha opinião lendo apenas uma edição. Coloquei o prazo de uma semana e fui analisando, todos os dias, o que chegava na minha caixa de e-mails.

O que eu achei:

  • Falta credibilidade: a news em si não cita as fontes das notícias e nem todos os links são para sites em português. Isso é problemático? Quem está lendo uma news de cinco minutos de leitura dificilmente irá conferir os links, se esses forem em outro idioma, isso piora.
  • Compartilhamento facilitado: as notícias sem fonte podem ser facilmente enviadas por WhatsApp. Isso é problemático? Não seria se as fontes de cada notícia fossem confiáveis e fáceis de conferir.
  • Falta de embasamento: quem entendo um pouco mais qualquer um dos assuntos tratados percebe que os textos induzem a conclusões erradas. Isso é problemático? Muito! Em uma matéria sobre a compra do Natural da Terra pela Americanas S.A., eles encerram como um insight sobre ver estratégias de empresas mais consolidadas e aplicar no território brasileiro. O insight em si não está errado, mas a notícia não fala sobre o fato do grupo já ser muito diversificado. As Americanas já estavam entregando compras de supermercado, incluindo frutas, faz um bom tempo. Inclusive, apareceu até no BBB.
  • Publieditorial como matéria comum: reforçando aqui, matérias pagas precisam ser sinalizadas como publicidade. Isso é problemático? Sim! As matérias pagas têm o propósito de comprovar um ponto, valorizar um produto, convencer de uma teoria. Ao se passar por uma matéria comum, induz as pessoas a acreditarem que se trata de uma apuração sem nenhum interesse e não é o caso.
  • Programa de afiliados como matéria: além dos publis, o incentivo à divulgação da próprio news é por meio de um programa de indicação com benefícios que não se destaca das demais notícias. Isso é problemático? Sim, pois normaliza a realização das trocas de indicações por benefícios ou prêmios e leva as pessoas a não perceberem isso como uma troca financeira mesmo.

Claro que eu estou analisando apenas um caso, e parece que o post é sobre ele. Mas não, o post é sobre a gente ficar atento sobre as publicações que vêm facilitar demais a nossa vida. Quando se trata de informação a gente sempre precisa exercer a crítica, sempre precisa questionar. Claro que às vezes a gente não quer pensar, só quer se distrair, mas notícias sobre a realidade do país, da economia e do mundo não são para isso.

Sem me alongar mais: é uma questão de equilíbrio mesmo. Nem usar uma linguagem muito rebuscada, que torne as coisas incompreensíveis; nem simplificar ao extremo, reduzindo temas complexos a realidades ilusórias.

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Gabi
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Written by Gabi

A gente escreve o que não entende para entender o que não se escreve.

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