Quando digo que a vida anda difícil, não me leve a mal. Não é aquele difícil das histórias de quem enfrenta problemas sérios como a fome, o desemprego ou doenças incapacitantes. Mas eu penso demais e pensar dói.
O problema de pensar é quando você não se dá um instante de sossego. Isso porque pensar não significa ser sábio ou ter realmente aprendido coisas importantes, só significa usar as conexões neurais pra se chegar a conclusões. Conclusões não são verdades, mas têm um peso grande. A gente não quer pensar muito pra não ter que concluir que ainda somos os mesmos que criaram o nazismo, não individualmente, mas no coletivo. Mas olha, a falta de vontade em pensar já é uma deixa pra quem tá com disposição para fazer merda colocar os planos em prática.
O presidente dando perdão pra quem estava chamando as pessoas a atacarem o poder judiciário, e tudo bem. A discussão é sobre qual será o segredo que a mulher do BBB tem contra a atriz. Pessoas negras e LGBTQIAP+ morrendo por nada e as desculpas esfarrapadas. O tal do presidente já falou mal desses dois grupos, mas Bendito seja o fruto, as mulheres é que são culpadas por qualquer coisa.
Houve quem tenha se escondido em receios sobre a economia, mas essa desculpa não cola mais. Agora, apoiar o que está aí precisa ser às claras, admitindo que é por ser preconceituoso, machista, racista e o que mais estiver ao alcance. E alguns já estão fazendo isso com a certeza da impunidade. O mito dá um jeito depois. Não sei como alguém ainda acha que ele realmente liga pra massa e que, sendo assalariado, mesmo se for um bom salário, não faz parte dela.
Estamos criando um estado autoritário dia após dia. Ou ativamente, fazendo parte das mentiras, ajudando a divulgá-las, ou passivamente, na inércia. Brigamos nas redes sociais por temas idiotas, tentando descobrir quem tem mais razão sobre o melhor time de futebol ou o ídolo mais perfeito, evitamos as conversas difíceis, de coração aberto, em que podemos mudar de opinião.
Aliás, mudar de opinião é um caminho pro cancelamento. Aprender não é uma atitude bem-vista, é coisa de desocupado. Talvez isso explique a quantidade de pessoas que não sabem o que estão fazendo em seus cargos.
Sua vida não vai ser realmente boa se o mundo à sua volta estiver se despedaçando.
Se as outras pessoas sofrem preconceito, fome, falta de saúde e de oportunidades, isso impacta cada um de nós. Acredito que a desigualdade social é uma violência que gera revolta e desespero. Se fosse “só” revolta, talvez ainda houvesse um jeito de controlar, mas o desespero é incontrolável. O resultado é mais violência.
Conheço pessoas que ficam mal humoradas de passar fome — por minutos ou coisa de poucas horas. Como exigir que quem viver na fome seja pacífico? As matérias de economia doméstica falam sobre os perigos de fazer compra de barriga vazia, mas e quem nunca sacia a fome?
Mas vamos supor que estamos falando de quem conseguiu se alimentar, mas não sabe como será amanhã, com a inflação corroendo o salário. A gente sempre fala que a insegurança é responsável por péssimas decisões na vida, como querer que pessoas que só conhecem a insegurança sejam pacatas e façam o certo, se nós como sociedade não estamos fazendo o que é certo com elas?
A violência volta. Mesmo para quem não rouba, trabalha todo dia, faz uma caridade, a violência volta porque ela não tem filtros e a falha não é individual, é coletiva. Então sim, todos precisamos fazer alguma coisa e evitar que preconceito, fome, falta de saúde e de oportunidades continue a crescer.
Um presidente que governa para os milionários ficarem bilionários enquanto os pobres ficam miseráveis é um sintoma da nossa falha como sociedade.
A classe média fica na rota da próxima bala perdida, do próximo latrocínio ou sequestro, porque o milionário se cerca de mil recursos pra se proteger e a classe média não tem seguranças, carros blindados, nem ilha particular. Mas se ilude que basta desejar para ser um milionário — isso é exceção.
Então acho que precisamos pensar melhor em nossos atos, em quem votamos e no país que queremos viver. Não sabemos o que vai acontecer ao votar em nenhum outro candidato além do presidente, mas sabemos que a desigualdade, o preconceito e o pacote todo podem fazer um estrago ainda pior se continuarem.