Por um tempo não houve verão

E na verdade, não sei quando haverá outra vez.

Gabi
3 min readFeb 25, 2022

Eu não me dou bem com o calor e quando ele demorou pra chegar eu não achei que seria um problema. Mas neste futuro distópico em que vivemos, as pequenas coisas não são coincidências.

Foto de Francesco Ungaro no Pexels

Os direitos são tirados um a um. Dos trabalhadores. Das mulheres. Dos negros. Da população LGBTQIAP+. Dos pobres. Dos indígenas. Dos doentes. Da classe média. De quem não cumpre um dos requisitos. Não sabemos que requisitos são esses, não todos, mas alguns de nós já desconfiam que nunca estaremos a altura deles. Nunca seremos suficientes.

Apenas alguns, porque outros acham, na verdade, têm a certeza de que estão acima de tudo isso. Menos de um por cento de nós, humanos, realmente está na condição superior e ridícula de se manter a par do que acontece no resto do mundo enquanto a maioria de nós morre de fome, de covid, em guerras por religião ou petróleo. Mas tem muita gente que acredita fazer parte desse grupo, sem perceber que ele é seleto demais.

Talvez você possa chamar essa ilusão de ingenuidade, de ignorância. Mas eu tendo a acreditar mais em prepotência e burrice. Mas aqui é só uma opinião, né?

Mudaram as estações

Quando começamos a ficar presos em casa, perdemos o verão. Sim, fez calor por uns dias, algumas pessoas tiveram que trabalhar sob o sol escaldante, outras tiveram insolação. Nesse tempo, muita gente sofreu com a falta de condições básicas para viver com dignidade e teve que enfrentar o tempo seco e quente na rua. Ou as tempestades na volta pra casa.

Foto de Josh Sorenson no Pexels

Apesar de o sol não ter brilhado como queríamos, não foi exatamente uma falta de calor que afastou o verão. Eu, dentro do pequeno apartamento em que morava, e dentro do pequeno apartamento em que moro agora, sinto menos calor por não andar muito na rua. Sei que é privilégio de estar em um apartamento que, apesar de pequeno, é bem ventilado.

Mas não senti o calor ao encontrar meus amigos ou entrar enfrentar o transporte público pra ir pro trabalho. Não senti a diferença de temperatura ao sair pra almoçar e o sol forte deixar meus braços com a marca da camiseta na pele. Não fui para a praia, conversar com Iemanjá, mesmo hoje sabendo que não é bem assim que a coisa funciona.

Enquanto o tempo passou, fomos nos acostumando a uma sequência sem fim de notícias ruins. Mortes da pandemia. Mortes por desastres naturais (que podiam ter sido evitados ou minimizados). Morte por conflitos armados. Morte porque tem gente que precisa comprar osso pra ter alguma proteína pra comer. Morte porque o desespero está alto demais.

Nada mudou

Com tanta coisa ruim acontecendo, a ponto de suspender o verão, essa energia que vibra mesmo em quem não curte muito calor, ficamos cada vez mais inertes.

Vão destruir a Amazônia e vai acabar com nossa qualidade de vida.

Vão tirar todos os nossos direitos trabalhistas.

Vão matar negros, mulheres e pobres só porque conseguem.

Nada acontece. Feijoada.

As pessoas discutem nas redes sociais sobre coisas que recusavam a estudar na escola. Defendem terraplanismo, duvidam das vacinas e reavivam o neonazismo (no Brasil, sério?). No mínimo, é uma piada de gosto duvidoso.

Enquanto luto com a minha ansiedade e me preocupo com tantas outras pessoas próximas que também estão nessas lutas, sobra indignação. Um presidente que faz tanta coisa errada e ainda está lá. Fanatismo religioso. Diminuição da qualidade da comida para que milionários fiquem ainda mais ricos. A maioria de nós come plástico e agrotóxico, porque é o que dá. Mas é cobrado a ser mais saudável, como se realmente fosse escolha.

Sim, eu sei. Enquanto bebo um vinho rosé após terminar meu expediente em home office, sou privilegiada af. Mas não consigo fechar os olhos e fingir que estamos no verão enquanto o mundo está ruindo desse jeito.

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A gente escreve o que não entende para entender o que não se escreve.

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