Pequenos sonhos de consumo — 4
Eu tenho dificuldades em escrever sobre peças de roupas que eu gostaria de ter porque a maior parte das marcas não faz coisas interessantes no meu tamanho. Também porque acho que não ficaria bem com as coisas que acho bonitas sem que emagrecesse bastante.
Eu tinha pensado em construir toda uma narrativa antes de chegar a essa conclusão, mas quem eu quero enganar? Nos últimos anos, achei algumas coleções muito interessantes. Obviamente, eu não pagaria o preço das peças, não tenho alguns mil euros para gastar em um smoking YSL ou sei lá quanto numa saia Gucci com franjas. Também não tenho onde ir com essas peças. (Como se precisasse ter)
Mas eu sou uma pessoa que sabe costurar e poderia fazer a minha versão das peças, ou procurar coisas que transmitissem o Look & Feel, mas a verdade é que não me sinto apta para isso. Estou sendo absolutamente sincera enquanto escrevo isso, pois o manual da modernidade e da desconstrução dita que a gente tem que ser bem resolvida com o corpo que tem, mesmo que a maior parte de quem dita isso está fazendo dívida para comprar Ozempic, Mounjaro ou Wegovy.
Falta espelho
Eu não sei exatamente como a coisa funciona. Sim, é mais fácil, dentro da sociedade de consumo ocidental, que as pessoas com mais acesso ao dinheiro se mantenham magras e talvez saudáveis. São essas as pessoas que vão ter mais acesso aos alimentos de qualidade, à saúde, ao tempo para fazer exercícios físicos e aos procedimentos estéticos. Aos mortais sobram os alimentos industrializados, longas jornadas de deslocamento ao trabalho, estresse diário, luta para conseguir uma consulta no SUS ou no plano classe média.
Sem tempo para se exercitar, descomprimir ou passar por bons profissionais de saúde. Sempre com medo de perder o emprego e se sujeitando aos abusos das organizações, pois boletos. Comendo o que dá pra comprar, o que dá tempo de cozinhar ou pedir no delivery. E a culpa por engordar ou ter índices alterados de colesterol e glicemia são individualizados, em vez de sociais? Hum, tem coisa errada aí. Não me parece intuitivo que o problema seja de âmbito individual como nos fazem acreditar.
Mas voltando pra moda. Eu não sei se as marcas ganham ou perdem mais mostrando apenas corpos extremamente magros. Pessoas muito magras fazem parte da sociedade, conheço algumas que são, mesmo com alimentação toda errada. É o biotipo delas. Mas não é o único tipo de corpo que existe.
Será que é o único tipo de corpo que vende?
Porque assim, a gente é condicionada a entender o bonito como um modelo que foi ensinado. Talvez seja alta, magra, loira de olhos claros. E aí se a marca colocar modelos diferentes a maioria das pessoas não queiram comprar as roupas, por não acharem bonitas. Claro que se forem marcas de luxo, as chances da maioria das pessoas estarem mais perto deum padrão é muito maior. Tem mais acesso ao combo do sucesso. Só que as marcas de luxo passam os códigos para o prêt-à-porter que por sua vez dissemina em todo o resto. Será que esse encadeamento não está ultrapassado?
Em algum ponto as modelos não correspondem às pessoas que vão comprar as roupas. Aí você vê um vestido, acha lindo, mas quando vai experimentar, ele pode até entrar, mas não cai bem no peito, pois foi feito para um corpo que era praticamente reto. Os as calças entram naquelas de ficarem largas na cintura, porque em mulheres maiores a proporção entre cintura e quadril pode ser diferente. E por aí vai.
Será que as marcas venderiam mais se tivessem mais corpos reais mostrando as peças? Aí vai depender muito da marca. Pense bem, uma marca que tem entre seu público milionárias devidamente ozempicadas não vai se preocupar com isso. É como a história do vestido Vera Wang no filme Noivas em Guerra:
Eles não ajustam o vestido, você que emagrece para entrar nele.
Claro que o filme é uma comédia, a atriz é magérrima (inclusive, acho que essa parte envelheceu mal). Mas se a gente pensar que as marcas passam um estilo de vida, uma coisa aspiracional, elas acabem adotando essa coisa de uma cliente ideal. Não fico feliz com isso, mas em termos capitalistas, entendo a escolha.
Tem solução?
Não sei responder isso. Acho que vai muito de quem consome, pensar se está feliz com suas escolhas. Será que faz sentido, eu, que uso 48, escolher roupa baseada em fotos de modelos que usam 34 ou 36? Será que você vai ter uma ideia boa de como a roupa vai ficar no seu corpo?
Sei lá.