O que leva uma pessoa a pedir demissão?
Notícias recentes dão conta que o número de pedidos de demissão nunca foi tão alto, mesmo com a crise financeira. Mas por que essa decisão, mesmo sem ter outro emprego à vista?
Antes de culpar Beyoncé e sua Break my soul, eu estive pensando no que tem causado tanta insatisfação. Um pouco do que vi, escutei e senti eu reuni aqui.
- Falta de reconhecimento — Ou quando o reconhecimento por um trabalho vai todo para outra pessoa.
- Processos cada vez mais complicados — Aquela burocracia sem fim para justificar que durante o dia você fez o que deveria ter feito, acessando três plataformas, com cinco etapas de validação cada.
- Diferenças salariais entre pessoas que ocupam o mesmo cargo — A gente costuma achar um tabu falar sobre salários, mas às vezes acontece de descobrir quanto o coleguinha ganha e perceber que as regras do jogo são diferentes para cada um de vocês. Aqui a gente acaba voltando no item 1 da lista.
- Liderança despreparada — Ter conhecimento técnico não é o suficiente para liderar uma equipe (você pode falar hardskill, se preferir ir no jargão). Junta com o fato de muitas lideranças não terem nem vivência o suficiente na área em que estão atuando, e algumas contratações serem decididas pelo valor da pretensão salarial ou por viés de confirmação.
- Falta de clareza nos objetivos — Se você não sabe o que tem que fazer, não sabe por que está sendo cobrado no fim do expediente e isso gera muita insatisfação. Isso acontece quando a liderança é despreparada, o item anterior.
- Cultura tóxica de trabalho — A competitividade extrema, em que todos precisam se sobressair…pra mim isso enfraquece o grupo, promove burnouts, esgota a criatividade. Ter alguém gritando o tempo todo com você não é legal. Tem quem consiga produzir ainda assim? Sempre tem. Mas qual é o custo?
- Acúmulo de funções — Acontece principalmente com mulheres (babás que limpam a casa, recepcionistas que fazem financeiro, qualquer coisa e ser a mãezona da equipe). Dizem que somos multi para empurrarem mais coisas pra gente fazer do que estão nos pagando. Fingem estar nos elogiando, mas é uma cilada.
- Salário incompatível com a função — Outra coisa decorrente da cultura de não se falar o quanto ganhamos. O salário não chega no fim do mês, o VR não é o suficiente, mas a culpa nunca é da empresa que paga abaixo do que deveria, é do funcionário que não sabe viver com o que ganha. Se descobre que o montante está abaixo da média do mercado, a empresa começa: mas aqui você tem qualidade de vida (qual?), você vai ganhar prestígio ou qualquer coisa subjetiva que não resolve o problema financeiro.
- Horários incompatíveis — O Brasil já foi um país em que existia lei trabalhista, hoje a gente tem que negociar com quem paga, sem respaldo. Vestir a camisa, se integrar à cultura da empresa e outras coisas afins são as desculpas que nos dão para que a gente trabalhe sem receber. Como se o errado fosse não entrar no esquema de exploração.
A lista pode continuar indefinidamente, porque a verdade é que cada pessoa tem seus motivos. Eu tenho ideia do tamanho do meu privilégio no momento em que, ao sentir uma grande palpitação pela chegada de mais uma segunda-feira trabalhando em um trabalho que não está me fazendo bem, posso chegar à conclusão de que é a hora de pedir demissão.
Antes que seja traumático. Antes que a insatisfação comece a afetar meu desempenho. Antes mesmo de conseguir outra fonte de renda.
Casada, sem filhos e alguma noção de controle financeiro, tenho reservas para poder lidar com esse tipo de situação, apoio do meu marido e noção de que a vida é injusta com quem não pode fazer isso. As empresas com seus selos de GPTW(Great Place to Work) e, agora, ESG (do inglês, sigla para meio ambiente, social e governança), fazem um discurso muito bonito, que não tem funcionado na prática, não na maioria dos casos.
Por outro lado…
Sim, até isso tem dois lados. Porque se tem empresa malandra, também tem empregado malandro. No meio de agências, ficou famoso o caso do cara que mantinha emprego em quatro agências ao mesmo tempo. É aquela coisa, ele não tinha vínculo com nenhuma…
Em anos de profissão já vi funcionário levar cliente embora ou fazer acordo e depois simplesmente processar a agência. Soube de história de gente que apagou todos os arquivos da rede e não devolveu o computador. Ou o mais básico, não entregar o trabalho e simplesmente sumir. Em um tempo que o trabalho era apenas presencial, o cara saiu pro almoço, levou suas coisas e não voltou nem pra receber pelos dias trabalhados. Deixou apenas um bilhete em cima da mesa, um papel em que se lia em letras desenhadinhas: que se foda.