O milagre da vez
Quem me conhece sabe: venho numa relação ingrata com balança e autoimagem por toda a minha vida. Já devo ter escrito em algum lugar que primeiro fiz dieta para depois ter começado a engordar. Fazer dieta durante a adolescência fez um grande estrago na minha vida com o qual eu lido até hoje.
Porque eu não comia muito, mastigava bem, fazia muito esporte. Passei a ficar longos períodos sem comer e não ter energia pra nada. Aí alternar com períodos de compulsão. Engorda. Emagrece. Engorda. Emagrece. Dor de cabeça. Pressão baixa. Desânimo.
Enfim, nada novo nesse cenário. Já vi muitos relatos parecidos com o meu. Já vi relatos bem tristes, envolvendo transtornos sérios e prejuízos enormes para saúde. E acredito que quase toda mulher acaba entrando nesse tema, afinal a pressão estética sobre a gente é constante.
Estar acima do peso é considerado desleixo, falta de compromisso, sinal de que vai faltar mais no trabalho — mesmo que não corresponda à verdade. Sem contar a ilusão de que a felicidade chegará assim que os quilos forem embora — conseguir um namorado, um emprego, comprar uma roupa que gostou porque a marca não faz uma grade realista.
E deixar de ouvir comentários de toda e qualquer pessoa.
O problema é que quem está acima do peso ainda não sabe que os comentários sempre vêm. Para quem engorda, para quem emagrece, para quem estuda muito, para quem casa, para quem não quer ter filhos, para quem decide se mudar pro exterior, para quem fica cuidando dos pais, para quem pinta o cabelo, para quem não gosta de bebida alcoolica. Mil coisas.
Indústria
A questão é que existe a construção de um corpo ideal que nunca vai ser alcançado. Porque não interessa a ninguém que seja. A pressão é principalmente sobre as mulheres, afinal a ideia é manter as coisas como são, com mulheres trabalhando mais e ganhando menos, inseguras demais para falar qualquer coisa. Mas homens também já estão sofrendo com isso.
Sempre existe uma nova alternativa, uma dieta incrível, um remedinho, uma cirurgia que vai resolver tudo, uma terapia.
Sempre surgem novas promessas.
E a da vez é o Ozempic. Quer dizer, Ozempic para maioria. Quem tem dinheiro mesmo já usa a mais nova, Mounjaro, que custa 10 vezes mais e promete um emagrecimento muito mais rápido. Ambos são medicamentos desenvolvidos para quem tem diabetes tipo 2 e são vendidos sem receita no Brasil. Não sei nos outros países, mas acho que é complicado isso.
Porque o fato de ser um medicamento que não exige receita não significa que não pode fazer mal pra saúde. Qualquer coisa pode fazer mal. Tem gente que pode sobrecarregar pâncreas ou o fígado. E aí, o que faz depois?
Ninguém quer pensar nisso, porque a gente recebe a mensagem constante de que o importante é ser magro. E olha, não sou contra emagrecer — inclusive preciso. Mas acredito que não existe milagre. Emagrecer muito rápido, sem acompanhamento médico e psicológico pode se tornar uma coisa efêmera.
Afinal, muitas pessoas voltam a engordar após cirurgias bariátricas. Então vamos pensar juntos, como vai ser depois que emagrecer com o Ozempic ou com o Mounjaro, se não houver uma mudança real de comportamento? Vai engordar outra vez ou vai tomar o medicamento para sempre?
Se a resposta for tomar o medicamento pra sempre, vai ficar claro que a gordura vai ser coisa de pobre. E que a diabetes 2 vai continuar sendo tratada com medicamentos antiquados, afinal não vai compensar para as farmacêuticas diminuir o valor de remédios tão disputados por quem tem dinheiro. Detalhe: a margem de lucros é realmente abusiva.
Enfim. Eu cresci vendo alterações de humor da minha mãe ao tomar remédio para emagrecer quando eu era criança. Também tinham as coisas ditas naturais, como os chás de 7 ervas, sopas da Adriane Galisteu, shakes. Inclusive, acompanhei amigas que perderam muito cabelo por deficiência nutricional devido a dieta de shakes.
Inclusive, os modismos de dieta são terríveis. Dieta da proteína, jejum intermitente, Vigilantes do Peso. Tira glúten, tira lactose, tira carne. Come só comida crua. Come só sopa.
Desde que comecei a fazer dieta, vi o lançamento do Orlistate (aquele que impede que você absorva 30% da gordura que ingere), a indicação de Saxenda, Topiramato, a cirurgia bariátrica e agora o Ozempic, passando pro Mounjaro.
De lá pra cá a obesidade mundial só piorou.
A felicidade não vem com a magreza
Fiz dietas bem restritivas quando adolescente. Como já falei, foi um desastre pra minha cabeça.
Emagreci com reeducação alimentar aos 30. Engordei com a medicação para ansiedade/depressão. Tirei o medicamento, parei de engordar.
Desde então, os médicos sugerem adoção de remédios ou bariátrica. Acho que dá um certo sucesso pra eles emagrecer os pacientes, mesmo que seja só por um tempo. Não, obrigada, não sou cobaia.
Faço yoga e academia. Terapia. Estou emagrecendo muito lentamente. Paciência. Faço tratamento para pré-diabetes, mas a expectativa é que em breve possa tirar os medicamentos.
Ao longo dos anos percebi que a gente espera ter mais tranquilidade e menos cobrança ao emagrecer, mas isso não acontece. Os comentários continuam.
“Ah, emagreceu? Agora quero ver manter…”
“Nossa, seu peito ficou pequeno, né?”
“Você tá com cara de doente, credo.”
E por aí vai.