O depois sempre acaba

Gabi
4 min readSep 25, 2020

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Vou te contar que não sou a maior fã de usar músicas que todos cantam exaustivamente para nada, porque elas já foram tão usadas que estão cansadas. Ou eu que estou cansada delas.

Foto de P C no Pexels

Se o fã-clube for apaixonado, então, socorro. Nada estraga mais um artista que seu fã-clube. Estragaram Raul Seixas, Beatles, Chico Buarque, Legião Urbana e sei lá, só citei homem branco aqui. Pelo menos não eram todos hétero, para existir alguma representatividade de alguma coisa.

Mas nem quero falar de música, que eu não entendo muito do assunto. A história aqui é sobre prioridades e o tal deixar para depois. Principalmente se deixar para depois, uma especialidade da casa.

Depois eu faço

Poderia ser procrastinação, que palavra infernal de falar e escrever, mas o depois que é pra mim mesma é o mais dolorido. Quero aprender a falar francês, mas ainda não sei falar espanhol e esse é mais importante para minha carreira. Então não estudo nenhum dos dois.

Adoraria saber tocar piano, mas o instrumento é caro, coisa de gente rica. Eu acho que sou meio sem ritmo, não tenho experiência nenhuma com música, melhor deixa quieto. Cantar, a mesma coisa. Sou desafinada, acho minha voz irritante, para quê vou gastar tempo e dinheiro com isso? Nem respirar direito eu sei. Outra hora eu penso nisso.

Sempre gostei de desenhar, mas fazer curso? Eu sou redatora, né? Deveria fazer curso é de redação. Trabalhar mais a escrita, os roteiros, entender mais de mídias sociais e storytelling. Quem sabe fazer um curso voltado para cinema ou televisão? Mas, desenho…bem, você não é ilustradora, né, Gabriela?

A delícia de deslizar sobre patins foi trocada pelo medo de me quebrar e não ter dinheiro para o médico. A vontade de ir em cachoeiras, pelo receio de passar mal de calor no meio do caminho. Se eu começar a escrever publicamente, podem me criticar (o que é bizarro, uma vez que eu trabalho escrevendo para as pessoas lerem todos os dias, vivo disso).

Fodo de Cottonbro no Pexels

E a dança? Essa é uma paixão de infância adiada ad eternum. O vestibular, a faculdade, o tempo, o dinheiro, mas eu vou viajar, melhor fazer outros exercícios mais completos, melhor fazer outros exercícios mais de acordo com a minha idade. Depois eu vejo isso. Agora, na pandemia vejo que adiei a dança uma vida toda. De todas as coisas que adiei, foi a que mais me fez falta. Não sei mais fazer o movimento certo das mãos, não tenho mais leveza ou segurança.

E agora?

Agora temos os boletos, uma pandemia global, quase 40 anos, 110 kg para lidar, pressão alta, síndrome de pânico, um trabalho mal remunerado, mas que rende mais que uma grande parcela da população brasileira consegue receber e por isso uma certa culpa em reclamar dele, insônia e, claro, a enxaqueca de sempre.

A ansiedade de fazer tudo ao mesmo tempo, recuperar tudo ao mesmo tempo gera uma frustração imensa com as limitações que encontro no caminho. Haja limitação. O que já foi desculpa agora é uma limitação real.

Não tenho respostas. Existe uma expectativa (minha principalmente, mas não só) de que eu consiga ao menos me aplicar em algumas coisas em casa, já que diminuiu o tempo em trânsito. Teoricamente daria para eu fazer mais exercícios, seguindo aulas online e alguns dias realmente isso acontece. Mas ninguém quer contabilizar todo o resto que entrou no lugar do tempo de deslocamento: a faxina, cozinhar quase todo dia, lidar com chefes que não têm mais noção de hora de trabalho.

O curso de francês que eu fazia no caminho para o trabalho está pausado. Veja bem, era um tempo em que eu não podia fazer outra coisa, e aqui em casa sempre tem um incêndio para apagar.

Nem tudo são trevas

Das coisas que sempre quis e não conseguia fazer, algumas saíram no mundo das ideias. Sim, nem só de decepção vive a redatora.

Estou com plantas, muitas plantas em casa. É verdade que algumas morreram, outras estão dando trabalho, mas também temos um abacateiro que está crescendo da semente e já tem meio metro. É a segunda tentativa, a primeira não vingou. Mas ver que esse está evoluindo é acolhedor.

Tenho costurado bastante, tipos variados de roupa, testado coisas diferentes mesmo que deem errado. Algumas costuro e já uso muito, outras ainda não usei, mas estou esperando o momento/clima para isso. Estou pensando mais no que eu gosto do que no que me dizem que tenho que gostar. Tem sido divertido.

Apesar de na maioria das vezes ser complicado cozinhar, estou me esforçando para aprender a lidar com alimentos que nunca gostei. Já consegui incluir abobrinha e beterraba na minha alimentação, sem contar as experiências novas em combinações de sabores e texturas. Pena que não é sempre que estou com tempo ou disposição.

Talvez seja isso que a pandemia tenha vindo me ensinar, que o depois seja uma ilusão. Infelizmente, não acho que a maioria das pessoas esteja de fato aprendido alguma coisa, mas sinceramente, no momento o foco é na pessoa que eu quero ser para mim.

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Gabi
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Written by Gabi

A gente escreve o que não entende para entender o que não se escreve.

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