O corpo

Gabi
4 min readJul 7, 2020

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As mentiras que a gente descobre com o passar dos anos

Se eu pudesse falar uma coisa para a Gabriela de 1993, aquela adolescente com espinhas no rosto, cabelo rebelde e que se achava enorme de gorda, eu falaria para evitar as revistas femininas a todo custo. Aí nesse pacote pode incluir as adolescentes e as adultas, porque eu lia as duas. Foi mais ou menos nessa época que eu comecei a achar que precisava emagrecer e, consequentemente, a engordar.

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As revistas femininas nos anos 90 davam bastante destaque às supermodelos. E por volta de 93, estava começando o reinado de Kate Moss e a estética heroin chic.

Como uma garota do meu tempo, eu era toda coturno, saia xadrez, Nirvana e pessimismo. Alternando com axé music, que eu odiava gostar de dançar. Incongruências musicais a parte, os estilos mostravam a barriga.

O corpo em formação

O problema para uma menina de 12 anos mostrar a barriga, é que nem todas já estão com cintura. Ou seja, o problema é nenhum, a não ser que você acredite que ele existe. Eu queria me vestir e ter um resultado igual ao que via nas revistas e televisão, mas estava em uma fase de mudanças.

Também não ajudou o fato de eu ser mais alta que minhas amigas, entre 15 e 20 cm. Estruturas muito diferentes para se comparar. Mas adolescente compara, não é mesmo?

As dietas que me fizeram ser quem sou

Passar um dia na semana se alimentando só de líquidos. Deixar de comer pão. Deixar de comer açúcar. Dizer que tinha comido na casa da amiga antes de ir pra casa pra mãe não estranhar que você não jantou. Dormir muito porque está sempre com fome. Alternando com tardes devorando brigadeiro compulsivamente, comendo pão, salgadinho e refrigerante.

A verdade é que eu não precisava emagrecer e nem podia restringir minha alimentação nessa época. Eu tinha uma rotina de esportes bem puxada. Eu fazia natação duas vezes por semana, mas para chegar no centro esportivo era uma hora de bicicleta e depois tinha mais uma hora pedalando para voltar. Eu treinava volei e basquete pelo colégio. E como eu "precisava"emagrecer, fazia caminhadas de no mínimo uma hora de segunda a sexta.

Com o tempo eu, que nunca tinha sido muito apegada à comida, passei a comer cada vez mais.

Elle Macpherson, o corpo

Quando eu percebi que alguma coisa estava errada, achei que precisava buscar um modelo mais saudável. As revistam vendiam a top model Elle Macpherson como o corpo e o rosto da saúde — antes de Gisele, gente, millenial aqui.

Lembro de revistas falando sobre a alimentação equilibrada, com dicas da modelo para entrar em forma.

A modelo em 93. Foto: Getty Images

Era coisa de 1.500 calorias diárias, exercícios simples, dormir bem, filtro solar, muita água. Pois é, essa semana eu me lembrei disso tudo depois que Elle publicou em seu Instagram que se sente muito mais saudável hoje que durante sua época de supermodelo.

Eu achava que era saudável porque conseguia viver à base de café e pouco sono… Aos olhos de muita gente eu poderia estar bem, mas não era assim que me sentia. Eu não tinha nenhum senso de vitalidade.

Ou seja, eu estraguei a minha relação com meu corpo, com dicas fitness que nem eram de fonte verdadeira. Fake news que chama hoje.

Leitura essencial

Apesar de eu ter falado especificamente de revistas femininas, não dá para me limitar a elas. Claro que as revistas com editoriais de moda, dicas de dietas e ensaios fotográficos foram fundamentais nisso tudo, mas a mídia como um todo teve impacto. Filmes, novelas, propagandas de televisão e revista. Cantoras e seus clipes na MTV. Bailarinas de grupos populares e de programas de auditório.

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Não se falava em feminismo, em imagem corporal positiva. A gente estava ensaiando começar as discussões de papéis de gênero (que ainda estão longe de acabar).

O livro O Mito da Beleza, de Naomi Wolf, tinha sido lançado há pouco tempo. Se você ainda não leu, deveria. Ele é muito didático sobre como a beleza feminina é opressora. O livro foi relançado recentemente, com atualizações.

Aqui no Brasil, foi lançado muitos anos depois o livro A Beleza Impossível, de Rachel Moreno. Menor e focado na realidade brasileira, pode incomodar quem é mais ligada à moda em alguns trechos que a autora faz afirmações baseadas em conceitos comuns que não representam a realidade. Mas tem bons insights.

Eu ainda gosto do História da Beleza, do Humberto Eco, porque mostra como o conceito de belo é uma construção sociocultural.

A conta chegou

Depois de mais de 20 anos de maus tratos, meu corpo está dando sinais de que precisamos achar um equilíbrio, dessa vez de verdade. Exames de rotina estão fora de ordem. Um pouco, nada grave, mas com meu histórico familiar, não posso deixar por isso mesmo.

Com todas as mudanças do mundo, os padrões ainda são cruéis. Mas com quase 40 anos e largando algumas bagagens que já não me servem mais, acho que está na hora de priorizar a saúde.

O que isso significa? Que nada de buscar respostas sozinha, em revistas ou na internet- que hoje é bem mais eficaz que as publicações dos anos 90 em disseminar problemas. Vamos de médico, de alimentação equilibrada, exercícios consistentes e terapia, porque o estrago na cabeça foi é grande.

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Gabi
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A gente escreve o que não entende para entender o que não se escreve.

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