Mundo novo

Velhas questões.

Gabi
4 min readJun 6, 2024

Dizem que, de perto, ninguém é normal. Quanto mais você conhece as pessoas, mais descobre esquisitices. Algumas são mais socialmente aceitas que outras. Ser fanático por um clube de futebol, pagar R$ 5 mil em uma bolsa e achar que tem o direito de falar com quem as pessoas devem dormir estão normalizados na sociedade. As pessoas discutem pelos assuntos, mas ninguém fala pro amigo que ele tem um problema sério.

Agora fala que tem um diagnóstico do DSM e veja o tabu dando tchauzinho do outro lado da rua. Hum, vai dar problema no trabalho. Não vai se integrar com a equipe. Vai querer sair pros seus compromissos pessoais. Mulheres com filhos ou em idade fértil também passam por isso, mas já é público e notório que mulheres com filhos são consideradas uma classe anormal.

Você planeja engravidar? Com quem você vai deixar o bebê? E se ele passar mal na escola? Você vai sair e deixar o filho sozinho com o pai? Você não tem mais vida própria?

Mas voltando ao DSM, é a sigla para Manual Diagnóstico e Estatístico de Treanstornos Mentais. É, o nome assusta. Esse manual é uma base que ajuda a classificar os transtornos mentais: ansiedade, depressão, superdotação, autismo, mil coisas. É preciso? Não. O que é preciso no cérebro?

Por mais imperfeito que possa ser, é a ferramenta que os médicos têm pra tentar ajudar a entender os transtornos e como lidar com eles. Mas não é um fim, é um meio. Se o psicólogo, o psiquiatra ou o neuropsicólogo faz um diagnóstico de depressão, não é o caso de se entregar pro sentimento de: é, meu futuro é me sentir assim. Muito pelo contrário. A partir de um diagnóstico você poderá buscar formas de lidar com o que sente, com a ajuda dos profissionais.

De onde eu vejo

Como uma otimista incorrigível, eu sempre entendi descobrir o diagnóstico, seja para uma dor física ou mental, é um passo muito importante para resolver o que dói.

Quando a psicóloga falou pra eu fazer testes para TDAH, estranhei. Nunca tive dificuldades com aprendizado ou concentração. Mas fui fazer. Felizmente o plano de saúde cobriu tudo, não teria como pagar. Fiz um monte de exames e a neuropsicóloga ainda ficou com dúvidas. Fiz mais um.

Realmente, o resultado foi negativo para TDAH. Mas ela identificou autismo nível de suporte 1 e superdotação.

A palavra autismo tem um peso grande. Só que no meu caso, pensei: o que muda? Eu estudei, fiz faculdade, amigos, casei, trabalho e o que realmente muda na minha vida com esse diagnóstico?

Em termos práticos, agora sei que, no meu caso, quando eu falo que fico cansada de lidar com muita gente não é frescura. Barulho alto me incomoda de verdade e não por que eu não sou legal. Ou seja, estou livre de uma grande parcela da culpa que sempre carreguei.

Meu comportamento não vai mudar por conta do diagnóstico. Não vou deixar de seu eu. Eu não vou deixar de render no trabalho por conta do diagnóstico, muito pelo contrário. Agora eu sei que preciso colocar uma trilha neutra de vez em quando e tá resolvido meu estresse antes que ele se torne um problema.

E tem mais. Há dez anos tomo medicamento para ansiedade e, olha só, provavelmente eu não precise tratar ansiedade. Então vou poder mudar a medicação, talvez tirar por completo e isso seria maravilhoso. Uma economia e tanto.

Do meu ponto de vista pessoal e intransferível, pouca coisa muda na minha vida, pelo menos imediatamente. Continuo procurando emprego, tentando emagrecer, costurando e bebendo vinho ocasionalmente.

Em grupo

A internet é o céu e o inferno para qualquer coisa no mundo. Ao mesmo tempo em que ajuda muita gente a entender e a se entender, também traz muita cilada. Tem informação errada, tem opinião disfarçada de informação e tem confusão no meio do caminho.

Me indicaram alguns grupos para eu entender melhor a tal da minha condição. Dupla excepcionalidade que se diz. Enfim, até agora não me encontrei nos grupos. Questões que não me dizem respeito, dificuldades que não conheço, nomes de medicamentos — uma coisa que não acho muito certa de ficar trocando figurinha em um grupão. Enfim, um monte de gente que nem tem de fato um diagnóstico, o que mostra o meu privilégio por contar com um plano de saúde que apesar de ter me negado uma cirurgia buco-facial, aprovou esse exame.

O excesso de conversas atravessadas me irrita. De gente se autodiagnosticando e diagnosticando os outros, também. Claro que entendo o caso de pais que precisam descobrir o que seus filhos têm, afinal. Ou seja, errada, nesse caso, sou eu em um grupo grande com tantos interesses diferentes.

Me dei mais alguns dias para tentar, mas a psicóloga me aconselhou a pesquisar em artigos científicos. Acho que vai ser tranquilo pra mim. E sim, estou me dando o direito de começar frases com pronome pessoal. Não estou trabalhando aqui.

--

--

Gabi
Gabi

Written by Gabi

A gente escreve o que não entende para entender o que não se escreve.

Responses (1)