Tudo tem seu tempo, mas a gente nunca sabe.
A vida anda bem estranha nesse planeta em que habito. Esse, redondo, que gira em redor do sol e que os astronautas confirmaram ser azul. Se você vive na Terra plana, desculpe, não é o mesmo. Talvez aí a pandemia seja uma invenção comunista, uma gripezinha que se cuida com tratamento precoce. Sei lá. Por aqui cada vez mais gente tem morrido, de diferentes idades. Até os atletas de verdade.
Mais de ano de isolamento social, no meu caso, né? O pessoal da Terra plana tem viajado bastante para manter a saúde mental em dia, mas aqui onde translação e rotação, leis de Newton e tal estão valendo, o isolamento social tem cobrado um preço alto. A ansiedade.
Não que eu precise de muito para ficar ansiosa, longe disso. Mas esse isolamento, a impossibilidade de variar os cenários, essa rotina inflexível. A ansiedade vem e vai sem pedir licença, sem motivos aparentes e por todos os motivos. Ela só está aqui.
Até que…
A gente se apega ao trabalho porque a situação está difícil, mesmo que o trabalho em si não seja tão bom. Mas a gente também se apega ao trabalho nesse momento, porque não resta muito a fazer dentro de casa, no isolamento social. Sem a preocupação de fazer o trabalho, o que resta?
Eu não tenho talento para cuidar da casa. Não me julgue, eu sei lavar, passar e tal, mas não tenho talento ou acho que seja prioridade ou obrigação só minha. Queria muito que a casa ficasse brilhando, impecável, mas minhas costas doem e a partir daí, minha cabeça dói. Sem chance de fazer massagens e ir para um hospital. Quem tem crises fortes de enxaqueca e dor tensional sabe que a escolha razoável deve ser preservar a maior parte dos dias sem dor.
A preocupação com a saúde já piora dia após dia, uma vez que não tenho feito os exercícios que deveria estar fazendo ou me alimentando bem o suficiente. Exames de rotina não são realizados, o dentista fica pra depois. A gente também pensa que se tiver algum outro problema de saúde, não vai conseguir tratar, uma vez que os hospitais estão lotados.
Demissão acontece
Sei que não é uma exclusividade minha, mas sim, virei estatística. Aí recomeça a pesquisa de vagas, de oportunidades, a busca por freelas. As conversas com os conhecidos, a reorganização do currículo, o tapa no portfólio, a criação de um novo site.
E-mails, muitos e-mails. As coisas vão acontecendo e você vai se cadastrando, até que alguns respondem — ainda bem. Faz uma entrevista, uma proposta, consegue um freela que paga pouco, mas já ajuda, faz outra proposta, envia mais e-mails, preenche formulários sem fim. Mas respostas definitivas, ah, essas demoram. Nessa situação, minha ansiedade cresce.
Mas… sim, temos um “mas” aqui.
Um freela pequeno é seguido de um freela mais parrudo. A vida segue e a gente consegue se recompor. A gente percebe que estava sofrendo por um trabalho que realmente não valia a pena (mesmo que pagasse os boletos).
Relembrar que a gente tem capacidade para fazer muito mais do que o espaço anterior permitia é muito bom. Descobrir que existe espaço para crescer e criar. Que nossos limites não são definidos pelo que as pessoas falam pra nos manter aprisionados no benefício delas. Sim, relações de trabalho são tóxicas como os namoros e amizades mais cruéis.
Isso tudo para falar que
Felizmente, o que é ruim também acaba. A gente tende a romantizar as coisas, achar que tudo precisa ter um ensinamento maior, que tudo tem um propósito. Enfim, nem quero discutir isso.
Emprego ruim acaba — mesmo que no seu término pareça o fim do mundo. Desemprego também acaba — para alguns mais rápido que para outros, infelizmente existe desigualdade. Relacionamentos de todos os tipos chegam ao fim por mil e um motivos. Como em Jurassic Park:
- A vida sempre encontra um meio.
Acho importante ter isso em mente durante uma pandemia. As lutas não são apenas individuais, são em vários planos. Chega um momento que pensar de um modo egoísta não resolve. Só não resolve.
Não importa o quanto você fale que precisa se preocupar mais com você e com a própria família, o problema é maior. Não tem como salvar alguns sem salvar todos, porque a gente não sabe, pelo menos não ainda, como as coisas funcionam. A gente não sabe quase nada desse vírus e suas mutações. O que a gente pensa que sabe sobre economia, já se mostrou falho, precisa ser revisto. Esse é o nosso tempo.
Antes eu achava que estava atrasada em relação ao mundo. Depois achava que não tinha mais como me recuperar, que nunca ia dar tempo. A ansiedade guiava minha urgência, atrapalhava o raciocínio. Hoje eu percebo que o quase atrasado é chegar na hora certa e aqui estou, hoje.
Se hoje é tudo o que tenho, como diz o pessoal zen, não posso estar atrasada. Bem. Pelo menos hoje eu tô aí nessa linha de raciocínio. Talvez amanhã eu mude, mas aí é um problema para outra pessoa, que ainda não existe.