Ficção

Aviso: esse texto não faz muito sentido

Gabi
4 min readMar 25, 2024

Desde que eu era criança eu falava que seria cientista. Como nunca gostei muito de biologia, afinal decoreba sem fim, decidi que faria física. Tinha jeito para matemática. Pelo menos para a matemática rasa que era ensinada em Caraguatatuba naquela época.

Não me questionei o fato de gostar de escrever, nem de gostar de desenhar. Tinha certeza que mudaria o mundo com uma descoberta impactante na física. Ser uma menina que tem habilidade e boas notas em física e matemática atrai atenção — pela inteligência. Segundo os preceitos católicos não praticantes, mas muito fortes da minha criação, esse era o tipo certo de atenção.

Quando falo preceitos de criação, não entendam como coisas dos meus pais. Vivemos em uma sociedade, vamos à escola, convivemos com vizinhos e vemos televisão. Ninguém faz nada sozinho. São valores que estavam por aí, um certo espírito do tempo, uma moralidade que envolvia se sentar direito, ajudar a arrumar a casa enquanto o irmão homem não tinha tanta obrigação, mil coisas. Teoricamente, ir bem em exatas não era coisa de menina, mas eu ia e resolvi que ia estudar física. Afinal moda era coisa fútil.

Obviamente a matemática ensinada em Caraguatatuba não era o suficiente e ao chegar na faculdade fui percebendo que, apesar de aprender com certa facilidade, eu não gostava tanto assim da faculdade de física. Se fosse só a parte das matérias, eu até conseguiria lidar, mas tinha toda a parte política, que uma aluna tinha que encarar desde os primeiros semestres e tentativas de bolsa de iniciação científica. Eu persisti, mas tive uma amiga para me ajudar a perceber que estava triste demais ali. Depois de três anos e meio, abandonei o curso.

Depois de pensar muito, decidi fazer comunicação. Publicidade. Eu sempre gostei, mas achava que não era tão nobre. Foi então que a minha mãe me explicou que toda profissão é nobre e muda vidas. Passar no vestibular para uma universidade pública não foi exatamente difícil. A faculdade de comunicação foi um passeio perto da física no que diz respeito às matérias.

Eu estudei porque sempre gostei de estudar, mas tirando a matéria de direito, coisa mais sonolenta da vida e o professor que era famoso por reprovar ao menos 75% da cada turma, incluinda a Fátima Bernardes, foi fácil.

A parte social e política foi difícil. Eu era uma garota pobre, introvertida, acima do peso e com as melhores notas da turma. Recebi apelidos, falaram que se até eu me casei qualquer pessoa se casaria, minha orientadora abandonou meu projeto no meio pra orientar outra dupla que era mais bem-nascida. Mas me formei bem, empregada.

Não consegui comemorar, mesmo sabendo o quanto foi difícil chegar ali.

Talvez tenha sido porque meus pais não foram na minha colação de grau e eu me senti muito sozinha. Talvez tenha sido porque a gente se acostuma a estar sempre correndo atrás e a achar que nunca o trabalho está bom o suficiente. Porque a gente precisa entregar o melhor. E no meu caso, eu me acostumei a achar que em algum momento as coisas iam dar errado e sair do controle.

E muitas vezes deram. Como quando eu e meu marido fomos demitidos no mesmo dia com uma hora de diferença e viemos embora do Rio. Ou quando meu chefe abusivo gritava comigo e batia na mesa dizendo que poderia contratar um redator muito melhor que eu a qualquer momento. Ou quando eu enviei uma ideia para um edital, passei na primeira fase para responder muitas perguntas e depois vi a ideia ser executada por um amigo do senhor que me entrevistou no edital.

A criação cristã — católica não praticante me impeliu a seguir tentando. E a entregar sempre o meu melhor. Mas nunca achar que o meu melhor é bom o suficiente. Nisso escrevi um livro inteiro, fiz 2 ou 3 backups e perdi todos eles. Achei recentemente só o comecinho, ainda sem revisão. Nada aproveitável.

Não consegui mais escrever nenhum outro.

Pelo menos, nenhum outro autoral, porque para o trabalho eu escrevi um livro de lendas latino-americanas, que foi traduzido para o espanhol. Não ganhei nenhuma cópia e minha chefe não me deixou ver finalizado. Nunca achei pra colocar no portfólio.

Nos projetos pessoais as ideias nunca faltaram, como também nunca faltou o medo. O que minha mãe vai achar? Será que vão entender? Será que vão se interessar? Vou escrevendo e chego num ponto em que penso: tá risível. E abandono.

Aí assisti Ficção Americana.

Sim, o tema central do filme gira em torno do racismo, mas as dores do protagonista, um escritor negro que precisa performar segundo expectativas socieais me pegaram demais.

Lembrei quando um grupo de homens de 30 anos falaram que eu, uma mulher 40+ não sabia o que as mulheres 40+ queriam. E quem saberia, eles? Não só isso. Eu fico preocupada com a opinião de pessoas que nem sei se poderiam dar opinião. Ou se dariam alguma opinião.

Estou as voltas com algumas falas do filme, que me atingiram profundamente, mas ainda não conseguiram tirar minha própria história da inércia. Tantas dúvidas para tão poucas respostas. Terei que pensar mais um pouco.

Continuo com certa facilidade para matemática e para lógica, mas isso não faz de mim uma pessoa menos sentimental. Talvez precise deixar as histórias se escreverem sem tentar atrapalhar tanto. Mas como a gente faz isso?

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Gabi
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Written by Gabi

A gente escreve o que não entende para entender o que não se escreve.

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