Ainda deitada, abro os olhos, mas não movo nenhum músculo. Qualquer movimento pode acabar com a beleza que vejo pela janela. Aqui dentro, não da casa, mas da cabeça, só restam expectativas. Será que hoje está tudo bem?
Em menos de um instante sou obrigada a me mover, afinal a vida acontece, a gente respira. A beleza dá lugar a dor que toma todo o hemisfério direito da minha cabeça, pescoço, ombro e uma parte das costas. O dia está bonito lá fora, mas eu precisarei ficar aqui dentro.
Começa uma rotina que comecei a criar ainda criança. Alongar o corpo, beber água, tomar café preto, tomar banho, comer alguma coisa salgada, beber água com gengibre, tomar um remédio e esperar, fazer massagem, tentar outro remédio, tentar exercícios de respiração, cochilar, tomar um ar, me agasalhar. A lista é enorme e não para de crescer.
Já falaram que eu deveria impor minha vontade ao meu cérebro, ordenar que minha cabeça parasse de doer. Já falaram que eu deveria ter mais fé em uma cura. Religiosos e ateus usando o mesmo raciocínio, praticamente me responsabilizar, me chamar de fraca por sentir dor. Imagine o que não escuta quem enfrenta um câncer ou alguma outra doença mortal.
Pela janela vejo o céu de um azul profundo e algumas nuvens bem branquinhas. No cantinho do meu campo de visão, algumas folhas de árvore. As folhas se movem devagar, o que me faz pensar que o dia deve estar agradável. Talvez esteja, mas não sei dizer ao certo. Eu suo frio e me sinto abafada ao mesmo tempo, perco a referência.
Meus pés estão gelados, sempre estão, mas sinto o ar pesado, quente ao meu redor. Será que estou respirando direito? Às vezes, quando a dor é muito forte tenho a impressão de que deixo de respirar tentando amenizar a dor. Claro que não funciona.
Busco os pontos de tensão, vou nos mais conhecidos e depois sigo a busca por novos. Tem um ponto na mão que dói bastante. Vários no ombro direito e alguns na cabeça. Já tentei técnicas de automassagem japonesa, indiana, chinesa, coreana. Já sai do trabalho e fui num salão pedindo “por favor, lava meu cabelo com água gelada e é só pra fazer um pouco de massagem na cabeça mesmo”. Compressas frias. A minha preferida é o saco de ervilha congelada.
Faz um dia bonito e eu estou sentada aqui, trabalhando mesmo que com dor. Alongo para esquerda e para a direita, peço para falarem mais baixo. Respiro fundo, passo uma pomada no ponto de tensão e continuo trabalhando. Ninguém do outro lado percebe a dor se eu não falar, o trabalho não atrasa.
Faz um dia bonito lá fora e eu estou imóvel na cama, se não tenho trabalho. Depois de um tempo ficar deitada dói, e eu tenho que achar outra coisa, recomeçar o ciclo banho, água, café, alongamento, comer, meditar e, dependendo, chorar.
Outro dia, que estava bem bonito, por sinal, estava trabalhando com muita dor, uma dor que já se seguia por dias. Fui incluída de repente em uma reunião e recebida com cobranças que não eram justas. Veja bem, eu não deveria responder pelo trabalho de outras pessoas se não tenho um cargo gerencial, mas quem quer se livrar do trabalho sempre tenta empurrar pra outra pessoa, no caso, eu.
Nesse dia eu mandei gente ficar quieta pra eu falar, não segui fazendo o que me pediam apesar da dor. Falei que cada um que assumisse sua responsabilidade e lidasse com seus BOs. Não aceitei o que me impuseram. Quando a reunião acabou a dor tinha passado.
E quem sente dor com frequência entende que nenhum dia é tão bonito quanto aquele em que a dor passa.