Essas modas
Em nosso mundo pós-qualquer-coisa, fazer sentido é muito relativo. Mas é aquilo, fazer sentido sempre é pessoal. Vai ver eu não estou entendendo alguma coisa, ou muitas.
Uma delas é tempo. E ao escutar a entrevista da Glória Maria no Mano a Mano, podcast do Mano Brow, sobre o que ela fala da relação da família dela com o tempo, eu achei muito interessante. Sobre ter sido negado a eles fazer o registro do nascimento de muita gente na família, e ninguém saber a data certa do aniversário e, por isso, ninguém realmente ligar pra idade no papel. Afinal eles não tinham como contar.
O tempo é um bem controlado por quem tem dinheiro. E nesse caso, não estou falando sobre a aproveitar a vida. Estou falando sobre regulamentação da existência na sociedade. Porque rico sempre está lá registrando, fazendo questão de passar o sobrenome com detalhes para poder passar também o patrimônio com seus privilégios. Já quem é desfavorecido, bem, acaba esquecendo quando foi mesmo que nasceu.
Enquanto hoje temos a pretensão gratiluz de saber exatamente onde e em que momento nascemos para fazer nossos mapas astrais, sei que meu avó comemorava aniversário em uma data inventada porque ninguém sabia a data certa. E que alguns tios foram registrados em dias diferentes dos que nasceram, porque não deu tempo de ir no mesmo dia no cartório. Esse tipo de coisa não era prioridade pra quem tinha que pensar em como não morrer de fome e garantir que os filhos não morram de fome.
Tempo não é vilão
Ah, me economize. A vida não é só sim e não. O tempo em si não é bom ou ruim, só é. Deixar o tempo passar para ver feridas cicatrizarem e a dor diminuir é um fenômeno incrível. O que não faz sentido, de fato, é o apego. Como decorar os anos em que cada presidente assumiu o governo sem entender a influência de cada um na política, na economia, na vida de todos. A gente aprende a valorizar que em 15 de novembro é a Proclamação da República, sem entender o que aconteceu ali. Que no ano de 1888 a princesa assinou a abolição, mas sem ter noção de a que termos. Que nos anos 1940 rolou a segunda grande guerra, mas de modo tão romantizado que hoje tem brasileiro que acha fazer sentido ser neonazista.
Falar de tempo sem memória, serve pra quê?
Tempo bom que não volta mais, aquele saudosismo que eu acho piegas até não querer mais, mas a escolha é livre. Tempo para ver os filhos crescerem — ou os sobrinhos, no meu caso. Para conhecer o mundo e depois se lembrar das viagens. Para rir com os amigos. Para visitar os pais, os irmãos, os avós, os padrinhos ou o museu. Ver um filme ou ler um livro. Escutar sua música preferida e dançar. Ou cantar.
Na necessidade de pagar as contas, a gente sempre tá precisando de mais tempo. Afinal, poucos de nós é rico de verdade. O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo. Os 10% mais ricos da população detêm 59% da renda nacional total. Eu não tô nesse grupo. Pouca gente tá. Então viver de herança não é uma possibilidade (Com exceções? Sim, mas vamos simplificar.). Poder se dedicar apenas a estudar o que gostamos, criar abstrações filosóficas e arte, bem, tudo isso foi engolido pela lógica capitalista. A arte tem que dar audiência, a filosofia só é comprovada se servir ao capital e gerar lucro. (Sim, estou radicalizando).
Mas a falta de memória associada à Inteligência Artificial e às redes sociais está irritante. Faz-se uma fórmula e se repete ao extremo. Quantos tutorias para fazer a mesma receita, do mesmo jeito, você já viu? Estou esperando a nova onda de receitas de bacon, assim que as pessoas resgatarem os vídeos que fizeram sucesso há uns 10 anos. Quantos reboots de dicas de maquiagem você já viveu?
Base — corretivo — pó -> Corretivo — base — pó -> Base — pó — corretivo — pó.
Mas as fórmulas repetidas à exaustão, bem. Há um mês foi lançado o Harry Potter by Balenciaga.
Eu achei ok. Pensei mais no fato dos elfos domésticos se parecerem tanto com o estilo de algumas modelos que vemos hoje que chega a assustar. Mas não vou entrar na seara. Então comecei a ver vídeos de várias franquias by Balenciaga. E de várias franquias by várias marcas. Gucci, Armani, sei lá. O que me chamou a atenção é que as criações não se parecem com as marcas.
Sei lá, fica tão vazio. Um desperdício de tempo de quem fez que não se preocupou em checar as informações e de quem acaba achando que as marcas são representadas pelo tipo de roupa mostrada. Alguém se importa? Não faço ideia. Mas entre pessoas que acham um absurdo uma personagem fictícia ser representada com a cor de pele diferente da imaginada na cabeça deles, uma representação incorreta do estilo de uma marca deveria incomodar. Ou é só preconceito mesmo?
Talvez as IAs façam essas animações com roupas que não trazem bem o DNA de cada marca porque algumas delas não consigam manter um estilo próprio. mas isso não parece ser o caso de Balenciaga, Gucci e Armani, que têm estilos bem definidos. Em um trabalho feito por máquinas, a limitação é estatística. Talvez peguem como exemplo roupas de linhas mais básicas ou de pessoas usando as peças com outro styling. Não saberia dizer.
Marketing
Bem, a marca criada pelo catalão Cristóbal Balenciaga em 1904 (!) é conhecida por seu estilo arquitetônico e minimalista.
A marca ficou meio esquecida por anos até que voltou a fazer sucesso com as blusas e vestidos bem estruturados de Nicolas Ghesquière.
Mas depois veio a era Demna Gvasalia, que é muito midiática e polêmica. Temos:
E também:
Temos os acessórios:
Temos campanhas desastrosas:
E temos o uso de inteligência artificial para manter a marca na boca do povo. Tem outras marcas envolvidas no “exercício criativo”, mas a mais lembrada a Balenciaga com o puffer Papal:
A última coleção traz esses casacos de ombros gigantes, caindo. Como se o defunto fosse maior que a pessoa que herdou a roupa — diriam os antigos.
Acho que reflete nosso momento histórico, afinal muita gente não tem dinheiro pra comprar roupa em uma recessão global. Millionaire brincando de pobre é de extremo mau gosto pra mim. Só que a marca gosta disso e ganha bastante dinheiro nessa.
De certa forma, também vai confundir as AIs. Afinal, a marca que era de uma alfaiataria ultrarrefinada, no sentido artístico da coisa, de criar formatos e estruturas desafiadoras, agora se rende ao desleixo e perde um tanto de sua identidade original.
Tudo isso pra falar de moda? Que perda de tempo…
Vai acreditando nisso. Nem vou argumentar. E se você leu pensando: ah, essa entrevista da Glória Maria é antiga, a mulher já está até morta. Sinto muito. Você não entendeu nada.