Errada

Gabi
3 min readJan 3, 2020

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Se você nasceu mulher, ou se descobriu mulher, tenho uma má notícia para dar: você está errada. Não importa o assunto, não importa em relação a quê. Você está errada.

Uma mulher sempre está errada.

Achamos que a passagem de milênios, sufrágio, medicina, 2020, possibilidade de falar em tempo real e todas essas coisas trouxessem consigo um avanço para a humanidade e resolvesse esse equívoco da evolução, mas não. Mulheres continuam sempre erradas.

Imagem: pexels

Ser mulher é estar em um constante julgamento. Não importa se rica, pobre, cor da pele, tamanho do manequim. O julgamento é constante. E você leitor, já está me julgando, afinal estou esquecendo de considerar as injustiças históricas, o racismo, a homofobia, a gordofobia…ah, não tô não. O julgamento está aí para todas nós, o que muda é a sentença e ela é pior para algumas. Mas o julgamento é para todas nós.

Não importa o quão perto estiver uma mulher do padrão. Ela sempre vai estar, sim, errada. Muito gorda, muito magra, muito branca, muito fútil, muito chata, muito histérica, muito inteligente (deve tomar drogas pesadas).

O julgamento vem para toda e qualquer coisa. Se namora, se casa ou se tá tranquila, solteira, na dela. Se tem um, dois, cinco filhos. Ou se não os tem. A idade que resolver ter filhos também será um problema. Se gosta de gatos ou se é alérgica a eles. Se gostar de arte, de ciência ou maquiagem. Se for atleta.

O corpo de uma mulher nunca a pertence. Marina Abramović entendeu isso quando se colocou à disposição e foi aquela coisa triste.

Seria igual com um homem? Talvez, mas as mulheres passam por isso o tempo todo.

Uma mulher nunca pode estar satisfeita

A satisfação feminina é condenável. A felicidade feminina está atrelada a alguma falha. Feliz no trabalho? Esta falhando com a família. Feliz sendo mãe? Não tem consciência política. Feliz com o corpo? Fútil, cega, infantil.

Uma mulher deve estar sempre preocupada, ocupada em agradar o mundo todo. Tem que estar dopada de ansiolíticos, antidepressivos, chás milagrosos, superalimentos, cirurgias que não precisa em 12 vezes sem juros. Gastar todo o dinheiro que tem e que não tem para se tornar alguém que não sabe se quer ser enquanto poderia viajar, fazer cursos que iriam ajudar a se destacar no trabalho, aprender o idioma que sempre quis, o esporte que sempre admirou.

Mas tem o creminho, o quinto scarpin preto, a sombra dourada dos sonhos que não aconteceram mas custam sua alma. E ela tem que usar e fingir que não liga. Porque se não usar é desleixada, mas se ligar pra isso, é bitolada. Muita energia voltada para obedecer ordens achando que está fazendo escolhas próprias e se manter insatisfeita.

Uma mulher não pode

Ter opinião, pois isso faz dela prepotente. Saber o que quer, pois isso a torna xiliquenta. Ser amorosa, se torna grudenta. Uma mulher nunca é suficiente, está sempre sobrando ou faltando.

Imagem: Pexels

Cozinhar bem, meditar, gostar de matemática, praticar esportes. Nada é permitido se o objetivo não for, de alguma forma um macho. Não sejamos ingênuas, o objetivo não precisa ser romântico. Pode ser por competição, pode ser uma relação com o pai ou o filho, pode ser até o machista motivo da falta de homem.

Quanto a nós

Triste, triste mesmo, é quantas de nós que reforça essa narrativa. Quantas mulheres que repetem os absurdos, apontando, julgando. Por que será que somos tão coniventes com essa prisão? Tantas de nós fazemos tanta questão de manter essa rotina triste de repetir esse padrão, esquecendo-nos que somos as maiores prejudicadas.

Olhando fotos e repetindo comentários sobre corpos e cabelos, como se falar mal das outras fosse melhorar alguma coisa para nós. Somos a próxima vítima dos comentários, queridas. Seremos as próximas muito magras, gordas, escuras ou claras.

Ao julgar outras mulheres, também nos preterimos.

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Gabi
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Written by Gabi

A gente escreve o que não entende para entender o que não se escreve.

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