Um dia você é adolescente e a novidade underground é um diretor que subverte a ordem das coisas, contando a história de um jeito todo bagunçado.
No outro você está na faculdade e se veste de assassina adolescente japonesa do filme de um diretor consagrado para uma festa à fantasia.
Até que chega o dia em que você percebe que o tempo está passando para todo mundo mesmo na sala de cinema, em um ritmo melancólico.
Era uma vez uma garota que não se encaixava muito bem em grupo nenhum e descobre por meio de um amigo um filme que era bem fora do comum. Não assisti no ano de lançamento (1994), mas naquela época a internet ainda era bebê e se alugava filmes em locadoras. Spoiler: anos depois a garota se casa com esse amigo, sim, é verdade.
O grande destaque é para a montagem fora de ordem, com cenas que vem e vão, bagunçando a cabeça do público. Mas tinha aquela violência toda, os diálogos e o estilo. Os detalhes que alimentam os fãs a cada vez que as cenas são repassadas. E a trilha sonora? Lembro de um carnaval clássico, com Carrinho de Mão badá bombando lá fora e a gente escutando a trilha de Pulp Fiction dentro do carro.
Muitos carnavais depois. A faculdade de física não era bem aquilo ou a garota não era bem aquilo? Quem é que sabe? Comunicação, festa à fantasia e um filme em duas partes, misturando diversos estilos. Em Kill Bill parte 1 (2003) a gente nem sabe o nome da personagem principal, mas quem se importa? O diretor é aclamado e as pessoas não duvidam da sua capacidade, elas são aguardadas e celebradas. As personagens tornam-se icônicas.
Mais uma vez temos uma celebração de estilos, música e possibilidades. Coisas que ficaram marcadas na cultura pop, coisas que foram reforçadas na cultura pop. Criação de lendas, sangue escorrendo e muita violência com mulheres que batem para doer. Violência para diversão. Vingança. Mesmo sendo pós-ataques de 11 de setembro, eram tempos inocentes se a gente pensar hoje.
Perceber mesmo que o tempo passou, a garota só percebeu na sala de cinema, ao assistir Era uma vez em Hollywood… (2019). O filme parece orbitar a história de Sharon Tate, mas a atriz não é a personagem principal do longa. Aqui não vimos recortes de montagem, recortes de estilo. Tem um recurso do diretor, que já foi usado antes, em Bastardos Inglórios, que é recontar a história do jeito que ele gostaria que tivesse sido e não como foi de fato.
O filme é melancólico, muito melancólico. Brad Pitt está lindo, Di Caprio atua muito, as tomadas explorando o corpo da Margot são exageradas e ela merecia mais que isso, pois é uma ótima atriz. Fiquei pensando se talvez fosse uma forma de fazer referência à Sharon Tate, que também era uma ótima atriz e acabava sendo comentada apenas pela beleza, mas posso estar sendo otimista demais.
No filme, as mãos do Brad mostram que a idade é inexorável. Sim, tanta coisa para ver e a mulher me repara nas mãos. Elas entregam que a musculação (com direito a dinheiro e tratamentos estéticos) não dá jeito em tudo e que ser humano é ir vendo o tempo passar aos poucos. Ou morrer antes disso, o que não deve ser agradável.
A violência aqui parece mais real que nos outros filmes, mais palpável. Talvez por isso tenha doído mais em alguns momentos. Tem tantas mortes? Não, mas são mais críveis.
O diretor
Bem, Tarantino é um diretor ótimo, mas como todo senhor que passa por essa terra, falou besteiras que não deveria. Falou que meninas de 13 anos sabem bem o que querem, forçou Uma Thurman a fazer uma cena que resultou em um acidente que causa dores até hoje e por aí vai. Não sei dizer se esse filme já traz um pouco da melancolia por ele ter caído em si, ou se é só um sentimento de não estar mais com todo o poder, como era antes.
É muito difícil perceber que vários dos artistas que você admira são falhos em um nível tão profundo, mas isso também é humanidade e eu sempre espero o melhor.