Envelhecendo no cinema

Gabi
4 min readAug 26, 2019

--

Um dia você é adolescente e a novidade underground é um diretor que subverte a ordem das coisas, contando a história de um jeito todo bagunçado.

No outro você está na faculdade e se veste de assassina adolescente japonesa do filme de um diretor consagrado para uma festa à fantasia.

Até que chega o dia em que você percebe que o tempo está passando para todo mundo mesmo na sala de cinema, em um ritmo melancólico.

Mia Wallace, Pulp Fiction. Google Imagens.

Era uma vez uma garota que não se encaixava muito bem em grupo nenhum e descobre por meio de um amigo um filme que era bem fora do comum. Não assisti no ano de lançamento (1994), mas naquela época a internet ainda era bebê e se alugava filmes em locadoras. Spoiler: anos depois a garota se casa com esse amigo, sim, é verdade.

O grande destaque é para a montagem fora de ordem, com cenas que vem e vão, bagunçando a cabeça do público. Mas tinha aquela violência toda, os diálogos e o estilo. Os detalhes que alimentam os fãs a cada vez que as cenas são repassadas. E a trilha sonora? Lembro de um carnaval clássico, com Carrinho de Mão badá bombando lá fora e a gente escutando a trilha de Pulp Fiction dentro do carro.

Gogo, Kill Bill. Google Images.

Muitos carnavais depois. A faculdade de física não era bem aquilo ou a garota não era bem aquilo? Quem é que sabe? Comunicação, festa à fantasia e um filme em duas partes, misturando diversos estilos. Em Kill Bill parte 1 (2003) a gente nem sabe o nome da personagem principal, mas quem se importa? O diretor é aclamado e as pessoas não duvidam da sua capacidade, elas são aguardadas e celebradas. As personagens tornam-se icônicas.

Mais uma vez temos uma celebração de estilos, música e possibilidades. Coisas que ficaram marcadas na cultura pop, coisas que foram reforçadas na cultura pop. Criação de lendas, sangue escorrendo e muita violência com mulheres que batem para doer. Violência para diversão. Vingança. Mesmo sendo pós-ataques de 11 de setembro, eram tempos inocentes se a gente pensar hoje.

Sharon, Once upon a time… Google Images.

Perceber mesmo que o tempo passou, a garota só percebeu na sala de cinema, ao assistir Era uma vez em Hollywood… (2019). O filme parece orbitar a história de Sharon Tate, mas a atriz não é a personagem principal do longa. Aqui não vimos recortes de montagem, recortes de estilo. Tem um recurso do diretor, que já foi usado antes, em Bastardos Inglórios, que é recontar a história do jeito que ele gostaria que tivesse sido e não como foi de fato.

O filme é melancólico, muito melancólico. Brad Pitt está lindo, Di Caprio atua muito, as tomadas explorando o corpo da Margot são exageradas e ela merecia mais que isso, pois é uma ótima atriz. Fiquei pensando se talvez fosse uma forma de fazer referência à Sharon Tate, que também era uma ótima atriz e acabava sendo comentada apenas pela beleza, mas posso estar sendo otimista demais.

No filme, as mãos do Brad mostram que a idade é inexorável. Sim, tanta coisa para ver e a mulher me repara nas mãos. Elas entregam que a musculação (com direito a dinheiro e tratamentos estéticos) não dá jeito em tudo e que ser humano é ir vendo o tempo passar aos poucos. Ou morrer antes disso, o que não deve ser agradável.

A violência aqui parece mais real que nos outros filmes, mais palpável. Talvez por isso tenha doído mais em alguns momentos. Tem tantas mortes? Não, mas são mais críveis.

O diretor

Bem, Tarantino é um diretor ótimo, mas como todo senhor que passa por essa terra, falou besteiras que não deveria. Falou que meninas de 13 anos sabem bem o que querem, forçou Uma Thurman a fazer uma cena que resultou em um acidente que causa dores até hoje e por aí vai. Não sei dizer se esse filme já traz um pouco da melancolia por ele ter caído em si, ou se é só um sentimento de não estar mais com todo o poder, como era antes.

É muito difícil perceber que vários dos artistas que você admira são falhos em um nível tão profundo, mas isso também é humanidade e eu sempre espero o melhor.

--

--

Gabi
Gabi

Written by Gabi

A gente escreve o que não entende para entender o que não se escreve.

No responses yet