Diagnóstico:
Diante de um evento climático catastrófico no Rio Grande do Sul e depois de ondas de calor que não parecem não ter fim, enquanto duas guerras potencialmente mundiais estão rolando, o sentimento de que o mundo tá acabando vai se instalando. Pois é, as calotas polares estão derretendo mesmo, os milionários já construíram seus bunkers nas montanhas e a inteligência artificial ainda é tão limitada quanto a média do pensamento humano — ou seja, consegue substituir boa parte dos trabalhadores.
O mundo que a gente conheceu até aqui não existe mais.
Os verões brasileiros serão cada vez mais quentes e algumas cidades terão que mudar de lugar. O dinheiro está cada vez mais concentrado e é por isso que seus pais sem curso superior conseguiam comprar uma casa mesmo tendo dois filhos e você, já com mestrado e apenas um gato ainda não sabe como sair do aluguel.
Nem tudo é ruim.
Se você tiver dois neurônios e eles fizerem conexão, você toma vacinas e não morre de sarampo. E quando aparece uma doença nova, a vacina vem numa velocidade incrível. Se você precisar falar com sua mãe em outro continente, pode até olhar a carinha dela, em instantes e sem um custo absurdo.
A sensação de que o mundo mudou não é nova, porque o mundo muda o tempo todo desde sempre. Talvez a gente ache que agora está mais rápido que nunca, mas imagina o que foi ver as primeiras imagens em movimento ou inventarem que tem que pagar impostos.
Agora imagine que você mora em um interior qualquer, e nunca teve acesso a muita coisa. A comida sempre foi pouca, médico é quase um ser extraterrestre e internet é uma coisa que dizem que existe, mas não te serve de nada. O que está mudando de fato nessa vida? Está tão ruim quanto há 40 anos? As pautas feministas chegaram lá? Eles se preocupam com eleições?
Na semana passada descobri que eu sou autista. De leve. Daquele tipo que a maioria das pessoas nem percebe, afinal o transtorno mal foi estudado em mulheres, ainda mais quando é nesses níveis mais leves. A pergunta que mais ouvi foi: como você tá se sentindo?
Bem, em um primeiro momento, não senti nada de diferente, afinal o que deveria mudar com algumas palavras de um laudo? Eu cresci uma pessoa funcional, notas boas na escola, sociabilização, casei, tenho amigos. Tenho que começar a agir diferente agora? Apresentar estereotipias?
Mas depois senti alívio.
Por todas as vezes que não me senti parte de um grupo, ou que não consegui entender o comportamento das outras pessoas. Pelas vezes em que me senti sobrecarregada e que não entendia porqueera tão difícil ficar muito tempo com tanto barulho. Ou porque eu gostava tanto de ficar sozinha, quieta. De repente não tenho que buscar motivos para ser como sou. Apenas sou assim. Agora, com laudo.
O mundo vai continuar mudando, a gente querendo ou não. O ideal é que a gente contribua para que ele mude para melhor, mas mudar ele sempre vai.