Conversa de elevador

E os ecos na cabeça

Gabi
2 min readMay 28, 2024

- Que tempo…

- O quê?

- A chuva.

- Ah.

- Será que vai ficar assim até o fim de semana?

- Oi?

- O tempo. Eu queria pegar uma piscina.

- Ah... Bom dia.

Sai do elevador alíviada com o fim da conversa. Piscina. Acho que em oito anos nesse endereço nunca pisei lá, apesar das constantes brincadeiras sobre quando eu ia chamar pra piscina. Primeiro eu tinha que trabalhar muito pra quitar o imóvel. Depois, foi o burnout. Falaram que um pouco de sol ia me fazer bem, mas com histórico de câncer de pele na família, o sol era pouco, na varandinha mesmo. Aí entrei na busca espiritual, bem naquela época em que o calor ficou tão insuportável que a vida só era possível no ar-condicionado. Me rodeei de plantas e fiz meu paraíso ecológico artificial. Parecia que tudo estava entrando nos eixos. Muito trabalho, o clima parecia estabilizado, redução das mortes e da violência. Realmente parecia que o futuro tinha chegado.

Se eu estava falando que parecia que estava tudo bem, é porque obviamente não estava. Começaram as chuva de verão e todo mundo falou que era normal. Foram fortes, destrutivas. Ia passar. Mas não passou. Chegou o outono e os temporais com hora marcada deram lugar a uma chuva que não cessava, já era mais de mês nisso. Será que vai dar piscina no fim de semana?

As cidades mais frágeis já tinham sumido na época em que o tempo esteve mais doido. A população também está bem menor hoje, tem como realocar as pessoas que estão vendo a água chegar. Talvez falte comida. Acho difícil, tantos adeptos da alimentação endovenosa, nem precisa de tanta comida como no passado. Os mercados hoje também são flutuantes, estão mais preparados para o alagamento, mesmo que muita gente tenha achado que isso tinha acabado.

Se o vizinho queria tanto nadar, podia usar a piscina coberta. Será que ele queria sol? Ou será que ele só estava tentando puxar papo? Bem, não pretendo sair de casa tão cedo, não sei se vou descobrir.

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A gente escreve o que não entende para entender o que não se escreve.

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