Bloqueio criativo

Gabi
5 min readJun 9, 2021

--

O que fazer quando não sabemos o que fazer?

Outro dia uma redatora recém-formada pediu para conversar por meia hora, queria dicas sobre a área. Não que eu ache que domine muita coisa, mas tem algumas coisinhas que eu gostaria muito que tivessem conversado comigo quando eu era uma profissional ainda crua.

Minha pior fase foi ainda na faculdade. Estudei em uma universidade pública, a única que eu conseguiria bancar. Ao contrário do que se espera, tive professores bem elitistas. Não por exigirem um conhecimento alto demais para quem estudou a maior parte da vida em escola pública, para isso eu estava preparada. E eu sempre amei ler, era fácil correr atrás.

O que fazer num bloqueio criativo
Foto de Kaboompics.com no Pexels

Mas sabe preparação para mercado de trabalho? Incentivar a montar portfólio, indicação para vagas ou mesmo orientação de final de curso. Foi tenso. Na academia seu sobrenome conta (ou contava há 16 anos). Acredito que isso afasta muita gente da pesquisa e do desenvolvimento, mas isso é outra história.

Olhando minha trajetória, acho que dei sorte em muitos pontos.

Fora da universidade tive gente pra me ensinar a não me apegar ao que eu produzia, um erro de quem começa na comunicação. Se um chefe pedia uma alteração, um cliente pedia uma alteração ou algum colega dava uma sugestão, nunca foi o fim do mundo. Sem apego a gente aprende a ver onde pode melhorar e onde precisa insistir, porque sim — nem sempre o outro tem razão, mas para saber isso, primeiro você precisa escutá-lo.

Fora da universidade eu também aprendi que prêmio só é bom se dá resultado para o cliente. Nem todo ambiente de trabalho ensina isso, e tem gente que garante o emprego só por estar em uma ficha premiada, mesmo sem ter efetivamente feito nada. Mas isso não é problema meu. Problema meu é saber orientar meus clientes e entregar o melhor texto, a melhor estratégia. Nem sempre é o que ele quer. Às vezes ele quer gastar dinheiro à toa, às vezes quer contratar o mais barato.

Ninguém ensinou a negociar na faculdade, mas deveriam. Porque em um certo momento a gente acha que se cobrar mais barato ganha o cliente e isso não é verdade. Ganha alguns, os que dão muito problema e rendem pouco. Os que você não vai querer se lembrar. Os bons clientes não confiam em pagar muito pouco, eles desconfiam da qualidade que você vai entregar e têm razão nisso. Afinal, se o seu preço é muito baixo, você: não deve ser muito qualificado, ou talvez tenha que pegar muito trabalho ao mesmo tempo para se sustentar e o resultado é uma entrega de mediana para baixo.

Então deveriam ensinar na faculdade sobre a importância de valorizar o que você sabe fazer. Isso valorizaria o trabalho deles também, mas acho que alguns parecem não saber direito porque são professores.

Negociação é importante. A gente entra no mercado de trabalho achando que o empregador está quase fazendo um favor em nos contratar. A maioria dos empregadores acredita no mesmo. Mas a verdade não é bem essa. Precisamos lembrar que esse relacionamento é de troca. Cada pessoa entrega um valor diferente, contribui de uma forma.

É importante ter uma certa noção do nosso valor, da diferença que causamos por onde passamos. Claro que nem toda empresa entende isso, agência então, é complicado, mas faz diferença. Ser um profissional, uma profissional que resolve problemas, que dá ideias interessantes, que se preocupa com os coleguinhas, que tenta prever o que pode dar errado e que fala não mesmo para os chefes premiados pode não ter me dado retorno imediato, mas deu retorno. Ex-chefes e ex-colegas que me chamam para freelas e me indicam para outros trabalhos, por exemplo.

A gente precisa aprender a defender o valor do que faz.

Sobre questões

Tecnicamente, eu poderia abordar questões femininas. Talvez alguma coisa sobre periferia, já que durante 10 anos morei para além da Zona Leste de São Paulo e passava quase 6 horas do meu dia no trânsito. Mas a verdade é que eu morava no centro de uma cidade pequena da Grande São Paulo e não convivia com a mesma violência.

Sobre gordofobia acho que é um tanto incerto, estou gorda sim, mas longe de sofrer grandes dificuldades para encontrar roupa no meu tamanho ou ter passado por algo mais grave, não posso fingir. Agora, que estou com 40 anos, já posso começar a abordar ageísmo? Até posso, mas é de bom tom?

Claro que nada disso impede que eu aponte problemas de cada uma dessas e de outras questões que aparecem no meu dia a dia. Eu sou a pessoa chata que fala que uma ideia é machista, homofóbica, xenófoba, racista. E que escuta: por que você se importa tanto com isso?

E por que eu não me importaria?

O mundo que a gente vive é um só. Se deixar passar uma comunicação que é ruim para o outro, também estou deixando passar o que é ruim para mim. Simples assim. Às vezes o argumento precisa ter uma linha egoísta pras pessoas entenderem, mas enfim, no final do dia é isso. Enquanto não for bom para todos, não vai ser bom para ninguém.

Pense aqui comigo. Todos envelhecem, então a questão da idade vai chegar pra todo mundo um dia. Se polícia resolvesse questão de criminalidade, já estávamos na paz, só que não estamos. Padrões de beleza mudam, o que é considerado saudável também — nem sempre o dinheiro vai comprar a saúde. Por aí vai.

Mas e os bloqueios criativos?

Pois é, a garota me perguntou o que faço quando falta inspiração, quando não sei como resolver um texto. Aqui está a parte em que a gente mais precisava ter ajuda dos professores na faculdade, dos colegas de trabalho e do mundo.

Os professores de criação precisavam ensinar que nosso trabalho é… trabalho. Tem técnica, pesquisa, estudo. Não é coisa de apenas se inspirar e sair escrevendo — redação publicitária é um ofício e não uma obra de arte. A gente escreve para um consumidor, que muitas vezes tem uma personalidade totalmente diferente da nossa. Então o texto não tem que me agradar, eu não posso ser tão autocentrada. Pois se eu pensar só em mim, eu não convenço.

Dá pra entender por que é tão importante uma redatora se importar com o outro? Quando a gente se importa, pensa nas motivações, nas dificuldades e entende, nem que de leve, pontos de vista diferentes, isso ajuda a ter inspiração. Então, se a inspiração falta, empatia (tá na moda, eu sei) é um bom lugar pra começar a procurar.

Outra coisa é, quando você é alguém razoavelmente interessada pelas pessoas, sempre está escutando histórias. E sempre pode conversar com alguém na falta de inspiração. Não é pedir para resolver pra você, é falar sobre um assunto e deixar desenrolar até que alguma coisa interessante se conecte na sua cabeça. Acredito que em outras profissões ser uma pessoa legal, que se importe, também tenha mais benefícios do que se fala normalmente, mas não estou lá para dizer quais.

Tudo isso garante um super sucesso financeiro? Não necessariamente. Mas me ajuda a não ficar desempregada por longos períodos. Claro que muita agência vai contratar a palavra da moda, o sobrenome famoso, a pessoa que usa PNL para autopromoção e muita empresa vai pagar caro por todo o pacote — e depois não vai entender por que suas campanhas não dão resultado. Aí cada um com sua consciência sobre o que faz.

--

--

Gabi
Gabi

Written by Gabi

A gente escreve o que não entende para entender o que não se escreve.

No responses yet