Algumas palavras sobre qualidade

Ter uma qualidade não é necessariamente bom ou ruim.

Gabi
4 min readJun 8, 2022

A palavra qualidade sozinha não diz nada.

Cresci sob a máxima de que eu sempre devo ser uma pessoa que entrega o melhor, a nota dez. Hoje eu acho que é muita exigência, mas admito que isso foi fundamental para conseguir alguma coisa em um mundo que não privilegia o diferente — e aqui entenda o diferente como ser uma mulher branca, com família estruturada e comida na mesa.

Foto de RODNAE Productions

Talvez, se eu fosse genial, isso seria o suficiente para eu ter uma carreira brilhante, mas eu não sou genial e isso implica que eu preciso trabalhar mais que homens, lutar mais pelo meu espaço que as pessoas que nasceram ricas e não falhar nunca. Uma mulher não tem o direito de falhar, e mesmo que não falhe, sempre vai estar errada. Sendo o mundo assim, a exigência toda de ser sempre a melhor foi importante para me ajudar a não ficar (tão) para trás.

Claro que não fui a melhor sempre. Ser a melhor em redação no colégio não significa que eu serei a melhor redatora publicitária na agência em que trabalho. E ser a melhor redatora não significa ser a melhor escritora de romances. Isso porque melhor é sempre relativo. Na verdade, qualquer qualidade é relativa.

E não, não fui a melhor em redação no colégio, pelo menos, não sempre.

Quando leio sobre fórmulas de lançamento, técnicas para conquistar seu público nas redes sociais, eu entendo que estão falando de estratégias que já deram resultado e podem ser usadas para dar resultados para outras empresas. Mas esse resultado vai ser tão bom quanto poderia se a gente estudasse o público, seus desejos e sua realidade, e depois desenvolvesse uma estratégia de acordo com as especificidades? Talvez as fórmulas sejam úteis para pessoas e empresas sem nenhuma base de marketing ou de comunicação, talvez indiquem caminhos, mas a reprodução massiva dessas estratégias me dá a impressão de que todos estão falando a mesma coisa e ninguém se destaca. Dessa forma, acho que os conteúdos que seguem fórmulas têm qualidade — se comparados com o conteúdo de quem não faz ideia do que fazer, mas não têm qualidade, comparado com ideias originais que façam uma marca se destacar entre seus concorrentes.

Mais do que ter ou não qualidade, a gente precisa voltar à questão do ser boa ou ruim. Imagine que um conteúdo viralizou, um daqueles termos que não dizem tanto quanto parece. Essa exposição:

  • Foi boa para marca, aumentando vendas;
  • Foi ok, tornou a marca mais conhecida até entre quem não é público-alvo; ou
  • Foi ruim, pois fez muita gente reclamar e promoveu um certo cancelamento.

Aqui são alternativas bem genéricas, mas um grande número de acessos e curtidas, um aumento gigante de tráfego, mil coisas, podem não ser necessariamente bons.

Um prêmio para…

Quando falo em qualidade na publicidade, muita gente pensa em campanhas premiadas. Cannes Lion, Caboré, Clio, El Ojo… Existem alguns prêmios interessantes, mas também existem processos viciados nesse sistema. Para participar dessas premiações, precisa pagar e muitas vezes, pagar caro. Algumas agências, inclusive, investem em campanhas que quase não dão resultados pro cliente, mas agradam os jurados, para garantir esses prêmios.

O que isso faz com quem não é amigo dos amigos (dono da agência, diretores, principais clientes)? Quem já não era das cabeças, continua de fora dessas premiações. Se a agência não tem um grande caixa, não consegue se inscrever nesses prêmios. E como as campanhas são feitas para agradar a banca julgadora e não avaliadas pelos seus resultados para quem contratou, não sofrem com sucessivas alterações feitas por clientes e podem ser realmente ideias mais disruptivas, fora da caixa ou tecnológicas.

Agora, dizer que é melhor ou tem mais qualidade que uma outra campanha que deu mais resultado com menos investimento ou tecnologia? Bem, aqui é o caso de pensar em: melhor para quem?

Essa dinâmica se retroalimenta na hora das contratações. Os melhores salários quase sempre vão para os profissionais premiados. Algumas vagas chegam a pedir por profissionais que já tenham recebido prêmios. Nessa, pessoas que talvez nunca tenham feito seus clientes venderem mais ou se aproximarem de seu público-alvo são valorizadas.

Claro que se você for amigo de quem contrata ou de alguém que tenha forte influência sobre o contratante também consegue passar na frente da maioria. O circuito de premiação não é uma barreira absoluta. Mas até o fato de não ser uma barreira absoluta fala contra quem não tem os privilégios.

Quem desdenha quer

Não vamos ser hipócritas. Eu gostaria de ser a primeira opção em uma contratação? Sim. Gostaria de ganhar o dobro? Com certeza. Gostaria de falar pros meus pais que tirei primeiro lugar em alguma coisa? Muito. Mas já faz algum tempo que venho pensando em formas de não deixar isso me afetar.

Premiações, e não digo apenas na publicidade, mas de um modo bemmm amplo, são atestados de privilégios.

Quem está dentro do padrão ou tem dinheiro para ficar no padrão. Quem tem a família mais conhecida. Quem nasceu homem, hetero e branco. Quem consegue comprar a melhor matéria prima. Quem consegue se dedicar ao seu ofício sem se preocupar com as contas a pagar. Quem não precisa ficar em cima da criação dos filhos. Quem não passa mais de duas horas no transporte público. Quem tem uma boa conexão de internet. Quem não sofreu assédio no ambiente de trabalho.

A lista não acaba tão cedo, mas já deu para entender, não é?

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Gabi
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Written by Gabi

A gente escreve o que não entende para entender o que não se escreve.

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