Ainda somos os mesmos

Gabi
4 min readJul 30, 2020

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Enquanto todos falam em novo normal, os atos mostram que no fundo a humanidade é bem resistente à mudança.

Se alguém falasse para a Gabriela dos anos 2000 que chegaria um tempo em que ela passaria meses sem sair de casa, ela responderia:

- Não viaja.

A pessoa que acreditava que a humanidade estava em um estágio de evolução constante, não percebia que era tudo ilusão. De regimes ditatoriais a charlatanismo religioso, o conservadorismo se alastrou de uma forma que parecia muito improvável para a jovem que acreditava que o fácil acesso à informação seria libertador.

Imagem: pexels.com

Mas chegou na hora de parar de falar de mim na terceira pessoa. Aquela menina iludida com a tecnologia não existe mais.

Como nossos pais

Nunca entendi porque algumas músicas são repetidamente usadas para homenagear as pessoas, como se apenas uma opção fosse possível. Formatura e a música em que a Elis Regina canta sobre a decepção de descobrir que no fundo é igual aos pais.

Assim, eu não fui uma adolescente que brigava ou era revoltada com os pais, ficava pensando se as pessoas escolhiam essa música como uma espécie de vingança. Hoje já tenho uma quase certeza que é apenas uma grande dificuldade de interpretação mesmo.

Mas o ponto aqui é que, a minha geração, que fez e aconteceu nos anos 90 e começo dos 2000 é um grande grupo de hipócritas. Aproveitou todos os benefícios da liberdade e agora defende a volta da ditadura. Cresceu sem doenças e agora é antivacina. Adorava “O Rei do Gado” e hoje vota na bancada ruralista.

Eu fico pasma que o opressor não tem mais a figura de um velho sádico, alguém muito mais velho. Agora tem a figura de uma pessoa de meia idade sádica, ou um adulto coxinha sádico. E burro. Porque oprime sem ter um verdadeiro poder, apenas reproduz um sistema, repassando um comportamento ruim para frente, sem pensar, como se essas fossem as regras naturais. Como nossos pais.

As aparências não enganam não

Agora, dentro do fuzuê que é a pandemia, tendemos a achar que tudo é muito novo. Um momento histórico nunca antes visto. Será mesmo?

Imagem: pexels.com

Tudo depende de como você olha a situação. Se a gente pensar que a água de um rio nunca passa duas vezes do mesmo jeito pelo mesmo lugar, tudo é diferente o tempo todo. O mundo com internet e globalizado, com uma economia totalmente interconectada, pela primeira vez enfrenta uma pandemia com essa magnitude e os países precisam parar.

Mas a gente também pode pensar que o mundo já precisou parar antes algumas vezes, para enfrentar pandemias inclusive, e a humanidade não contava com as facilidades que conta hoje. Que o mundo conhecido em um dado momento já teve uma economia globalizada e teve que enfrentar pandemias, sem os recursos tecnológicos e computadores. Sem a comunicação facilitada. Então existem algumas pistas de coisas que funcionam ou que não funcionam.

Em casa…Contando vil metal

Sim, tirei um trecho para evitar religião. Mas acho que a bancada evangélica tá lucrando? Acho.

Quem somos, quem éramos, o normal e conhecido… tudo isso foi responsável por chegarmos a esse momento histórico tão complexo que vivemos hoje. Cada vez menos espaço para as espécies silvestres, poucos acumulando uma quantia exorbitante de dinheiro e uma massiva quantidade de pessoas abaixo da linha de pobreza.

A desigualdade não nasceu hoje, mas está se acentuando e ganhou uma nova dimensão com a pandemia. O problema é que muitas vezes, quem defende a antiga ordem está muito mais próximo de se tornar alguém abaixo da linha da pobreza que um acumulador de capital — mas não tem essa percepção.

Ao defender o que só gera valor para quem já é rico, as pessoas estão se prejudicando. É preciso sim distribuir renda, taxar grandes fortunas, taxar grandes heranças. O dinheiro precisa circular. Mas grandes fortunas não são os 10 mil reais que eu ou você juntamos para fazer uma viagem ou os 50 mil para uma reforma na cozinha. Nem os 500 mil que vão dar entrada na casa própria.

A gente, pessoa comum da classe média, não tem noção do que é uma grande fortuna. Nem o que é estar abaixo da linha de pobreza e não ter dinheiro nem crédito. Não ter de onde tirar. Mas é muito mais fácil que a gente descubra o que é ser o segundo grupo que o primeiro.

Há perigo na esquina

Se por um lado estamos repetindo comportamentos de nossos pais, por outro isso significa que temos algumas pistas de como lidar com os problemas atuais. Ou, pelo menos, de como não lidar.

Essa coisa de ficar na dicotomia entre capitalismo e comunismo, como se qualquer um dos dois fosse perfeito ou resposta para qualquer coisa, é ultrapassada. Não vivemos em um mundo ideal e no mundo real já sofremos com os defeitos de cada um dos dois sistemas. Precisamos de outras vias, outras soluções.

Precisamos ter consciência de nosso lugar no mundo, do espaço que ocupamos na sociedade e como podemos transformá-la. Ser insensível a questões como racismo, xenofobia, homofobia, misoginia é um atestado de incapacidade de conviver em sociedade no mundo atual. É estar preso a modelos antigos e fracassados.

As sociedades mais igualitárias são mais bem-sucedidas. Empresas com mais diversidade e relações de trabalho mais respeitosas conseguem ter mais rentabilidade e sustentabilidade no longo prazo. O normal não funciona mais, vamos parar de insistir em fracasso?

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Gabi
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A gente escreve o que não entende para entender o que não se escreve.

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