Agulha e palheiro

Gabi
3 min readMay 6, 2024

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Em um tempo marcado pela rolagem de feed, ter uma atividade que o conecte ao momento presente é mais que uma diversão, é uma necessidade terapêutica. Alguma coisa que exija atenção, concentração e talvez esforço físico. Uma coisa que você goste e que não te deixe aborrecido em pensar que vai passar muito tempo ali. Cozinhar, desenhar, jardinagem, dança do ventre, arco e flecha.

Não sei se você entende o conceito de fazer uma coisa com tanta concentração que se esquece do mundo lá fora. Isso é importante e significa que é pra ser uma coisa que te deixe feliz. Não é com o objetivo de gerar dinheiro, não é pra ser trabalho. Porque se virar trabalho, você vai precisar de outra atividade para se distrair.

Eu gosto de costurar.

Sempre gostei de moda, sempre tive certa dificuldade de encontrar as roupas que eu queria. Ora por estar acima do peso, ora porque não encontrava o estilo desejado nas lojas. E minha mãe sempre costurou.

Meu marido é mais volúvel, mas há alguns anos se dedica aos board games. Iniciou vários de nossos amigos no hobbie, participa de encontros, tem uma coleção considerável. Eu jogo às vezes, mas confesso que não tenho a mesma paixão que ele.

Talvez a diferença entre o tipo de atividade que escolhemos seja uma boa representação de nossas personalidades. Eu preciso ficar períodos mais introspectiva, sem conversar, apenas focada em uma coisa que não sejam os problemas no dia a dia. Ele precisa desse tempo distraído com muita gente em volta, com o foco dividido entre histórias fantásticas e ações para conquistar territórios, viajar no tempo ou vender tapetes. São muitas temáticas e estilos de jogos, além da oportunidade de conhecer muita gente. É ótimo para quem não sabe como fazer amigos depois de adulto.

Já falei demais da vida do meu marido e não vem ao caso, porque na verdade eu queria escrever sobre a minha necessidade de isolamento e a sensação de abandono que chega às vezes. Porque a sensação de abandono não costuma chegar quando escolho ficar sozinha com meus botões, mas no meio da multidão.

Existe essa expressão que fala da dificuldade em se encontrar uma agulha em um palheiro. Ela sempre foi usada para descrever situações difíceis, em que se busca alguma coisa bem específica, rara. Hoje penso nessa imagem como uma coisa que se confunde com as outras, mas está substancialmente sozinha.

Não tem o juízo de ser melhor ou pior, mas tem a sensação de estar perdida dentro de uma confusão, sem saber o próprio rumo. Talvez não atrapalhe nem incomode na maior parte do tempo, mas se acontecer, vai doer. Vai ser inadequado. É uma sensação de quando começo a me perguntar se estou falando alto ou baixo demais, se minha espontaneidade está parecendo forçada ou assustando as pessoas, ou se estão achando que estou brava. São dúvidas demais por segundo na minha cabeça, cansa.

Amanhã vou receber um diagnóstico de neurodiversidade. Talvez tenha alguma coisa, talvez não. Quer dizer, uma vez que não existe um modelo de ser humano normal e todas as pessoas no mundo têm traços de várias coisas, algum traço vai aparecer. Nem que seja dessa minha companheira de anos, a ansiedade. O mais importante para mim é que nesse diagnóstico o que seja, venha também formas de lidar com essa sensação de inadequação, que me acompanha desde a infância.

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Gabi

E lá vamos nós! Terra do Nunca? Bad Place? Certamente atravessamos o espelho.