A coisa do couro

Uma contradição em termos.

Gabi
4 min readDec 5, 2023
Couro falso em um falso cavalo.

Sou contra o maus tratos aos animais. Não sou vegana, mas entre comer carne e achar certo maltratar animais tem uma grande distância. Dito isso, concordo com muitas coisas nas críticas feitas ao uso de peles e no consumo abusivo de carne. Veja bem, uma coisa é ter uma alimentação onívora e outra é achar que toda refeição tem que ser à base de carnes.

Se fosse só pelo ser humano, cada um decido o que come. Mas não é assim que funciona. O que eu como, visto e até o que jogo no lixo impacta na vida de pessoas que nem conheço. E o churrasquinho pode ter um impacto ambiental — infelizmente.

A conta é relativamente simples. Criar um boizinho exige água, pasto, transporte. Se for falar do couro, tem também o tratamento pra chegar no acabamento que a gente deseja, a cor, o verniz. Tudo isso e as emissões de transporte.

Honrar o ser que morreu para me alimentar

Minha mãe sempre falou da importância de consumir o animal inteiro, sem desperdícios, para explicar porque temos que comer os miúdos. Não consegui gostar. Ou talvez eu ainda não achei alguma receita que eu goste. De qualquer forma, dentro do que aprendi com minha mãe, o couro sempre fez sentido na minha vida. Afinal eu como carne, gelatina e não vou desperdiçar a pele do animal que foi de alguma forma morto.

Mas aí tem os bichinhos que morrem só pra fazer um casaco. Não tem desculpa. No passado, quando as casas não tinham aquecimento, quando as roupas eram precárias, os casacos feitos de pelo animal eram necessários. E provavelmente a carne não era desperdiçada. Mas hoje, não existe motivo.

Opções de couro vegano

Não é de hoje que as imitações de couro estão no mercado. Elas surgiram para ser uma opção mais barata e quando eu era criança, elas eram chamadas de napa e tinham um aspecto bem falso.

Cada vez mais elas se parecem com o original, ser tornam mais maleáveis e ganham acabamentos mais interessantes, mas o quanto elas são ecológicas?

Já tive algumas peças e elas duram pouco. Descascam quando a gente menos espera. Se tornam lixo numa velocidade espantosa. A maioria é feita de plástico e isso significa que vai estragar, mas não vai se decompor por completo. Ou ser, a poluição vem.

Na semana passada vi um texto no The Guardian sobre essa questão e eles abordam exatamente isso. A contradição de chamar o couro falso de couro vegano. Feito de poliuretano ou polivinil-clorido, mesmo as pequenas partículas vão impactar o meio ambiente.

Se fosse apenas uma questão de escolha pessoal, ok. Mas também existe uma certa falta de legislação sobre o que é considerado couro falso. E isso não é só no Brasil, é no mundo todo. Aliás, o setor da moda é sempre complexo quando vamos tratar de sustentabilidade.

Sim, existe alternativa

Já ouvi falar em couro vegetal e couro à base de cogumelos. Posso comprar um legítimo Stella McCartney? Não. Essas versões estão na Shein ou na C&A? Também não. A pessoa que quer usar um estilo vai fazer o quê? É aqui, se o couro eco não é acessível, mas está na moda, vai desencadear a cadeia poluidora.

Veja bem, nossa sociedade é uma sociedade pautada pelo consumo e cada desejo gerado é responsável por muitas ações. Não adianta querer culpar apenas quem tá com vontade de usar uma roupa bonita, sem entender que a pessoa muitas vezes tem uma história difícil, pouco dinheiro e não vai realmente pensar no impacto ecológico do que veste.

É preciso ter legislação para os tecidos e para os descartes. E aqui a gente precisa só dar uma lembrada na cadeia de produção, que é recheada de histórias de trabalho análogo à escravidão. É preciso ter educação para as pessoas saberem o que estão consumindo. E também é preciso uma mudança urgente de comportamento, o que talvez seja a coisa mais difícil de todas, afinal a fome por compras é uma força motriz em nossa sociedade.

O desejo pelo novo, pela novidade, impulsionado pelas marcas de luxo e ecoando em diferentes esferas, poluindo todos os lugares, está insustentável. Não importa se você come carne e acha que o couro natural é sua melhor opção, afinal vai se decompor. Ou se você não usa nada que não seja de plantas. Tudo polui.

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A gente escreve o que não entende para entender o que não se escreve.

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