A cilada da perfeição

Gabi
3 min readJul 5, 2024

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O perfeccionismo é o defeito preferido nas entrevistas de emprego. Aquela mentira corporativa que as pessoas contam para tentar agradar o RH ou o contratante, e que eu achava que ninguém caía — mas descobri que tem gente que acredita sim. Só que eu nunca gostei de falar o mesmo que todo mundo só pra entrar na onda, então acredito que a resposta “perfeccionismo” como “qual seu maior defeito no trabalho?” nunca foi uma opção.

Principalmente porque eu acho que essa busca doentia por uma pretensa perfeição realmente atrapalha muito.

Não sei você, mas pra mim a perfeição é um conceito subjetivo, que vai mudando com o passar do tempo. Um dia é um banho de banheira, no outro é um bolo de laranja saindo no forno com café. Mas pode ser uma calça jeans, uma música, um abraço. Tudo depende.

Em busca da perfeição nos afastamos de quem somos. Isso pode ser bom ou ruim, mas quase sempre é péssimo. Deixamos de lado o que é realmente importante, alguns de nossos valores, porque para sermos perfeitos o corpo precisa ser de um jeito, a roupa precisa ter uma marca. Frequentamos o lugar caro que serve uma comida que ninguém gosta. Para ser perfeito para quem?

Porque sempre vai ter alguém que não vai gostar.

Vão botar defeito e tentar deixar você triste. Às vezes sem querer, às vezes de propósito. Vai ser necessário emagrecer, fazer preenchimento, mostrar mais, revelar menos, ser simpática ou nem tanto. A cobrança vai ser maior se você for minoria, mas se for padrão, também vai faltar alguma coisa. Perfeição é um jogo feito para perder.

Se você é de uma família de origem cristã já deve ter ouvido que a perfeição não é desse mundo. Mas também tem outra, que estimula a busca ingrata, a sedes perfeitos como vosso pai é perfeito. Dá pra perceber a cilada? A gente tem que perseguir uma coisa já sabendo que não vai alcançar.

Pois é, a criação na tradição judaico cristã deixou questionamentos que me fazem ser chamada de rebelde, pessoa sem fé ou desagradável. muito longe de um ideal.

E o perfeccionismo?

A primeira camada diz respeito à mentira. Tem um monte de gente que repete que se esforça demais sem fazer o mínimo. Entre falar e fazer a distância é enorme.

Mas vamos supor que a gente vá levar a sério quando alguém falar que é perfeccionista. Isso é bom?

  • Ser tão inseguro do que faz que não é capaz de entregar no tempo combinado porque precisa ajustar um detalhe.
  • Não conseguir delegar, ou refazer tudo o que a equipe entregou porque quer ter certeza que está bom, mas aí se coloca em risco de estafa ou estressa o resto das pessoas.
  • Perder oportunidades boas porque tá querendo encontrar a perfeita.

Foram apenas três exemplos, mas acho que deu para explicar o ponto. Em algumas áreas ou cargos, alguém tão apegado ao detalhe pode ser importante — um revisor, por exemplo. Mas em outras, pode ser um desastre, como alguém que não consegue terminar um relatório porque sempre tem maisalguma coisa pra ajustar e a empresa deixa de ter a visão das informações que o relatório deveria mostrar.

Isso não significa que as pessoas não possam ou devam ser comprometidas, detalhistas, exigentes. É a distância do saudável mesmo. Conheço gente perfeccionista que me fala da ansiedade que vive com isso e vejo o grande desgaste que o sentimento causa no trabalho e nas relações pessoais. O esperado é que a empresa ficaria feliz demais com alguém que trabalha tanto, que se esforce tanto para agradar. Mas a empresa, o chefe ou o que seja vai reagir como reage com qualquer outro funcionário. Vai criticar, apontar defeito, pedir mais e isso não deveria ser um problema. Mas para quem está com essa preocupação em fazer o perfeito, com certeza é. O que me lembra a frase do Freud:

Nós poderíamos ser muito melhores se não quiséssemos ser tão bons.

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A gente escreve o que não entende para entender o que não se escreve.

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